Debater a questão de invasão de terra é sempre complicado. O problema, porém, tem dois lados. Alguns princípios do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra são valorosos. Por outro lado, algumas (muitas) “laranjas podres” fazem com que o MST ganhe uma imagem marginal. E não é por menos.
Os números oficiais do Ministério do Desenvolvimento Agrário, divulgados ontem, mostram que ocorreram no País 171 ocupações de terra de janeiro a 10 de agosto deste ano. Neste período, foram registrados 18 assassinatos de trabalhadores rurais por questões de conflito agrário, sendo nove deles no Pará. A maioria das ocupações de terra ocorreu em Pernambuco, que já registra 55 casos. O nosso Paraná vem em segundo, com 27, seguido de São Paulo, com 16, e Minas Gerais em quarto, com 13.
Mas todos esses números devem ter alguma explicação. Uma das que que considero é que, impacientes, os sem-terra esperavam mais do governo Lula. Isso porque, depois de anos lutando conjuntamente com o atual presidente, os trabalhadores rurais gostariam de ser agraciados com terras logo no começo do novo governo. Percebendo que a realidade atual é distinta, começou um movimento de chantagem emocional, como um filho faz com o pai, querendo algo de qualquer forma.
O resultado disso é que em todo o ano passado, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foram 103 ocupações, ou seja, nos oito primeiros meses do governo Lula ocorreram 68 invasões a mais. No entanto, é bom lembrar que em 1995, primeiro ano do primeiro mandato de FHC, houve 144 invasões e, em 1999, primeiro ano do segundo mandato, foram 502.
O MST, então, deveria usar de sua forte presença nos meios de comunicação para elevar o nível do debate, e colocar em xeque o verdadeiro responsável pela reforma agrária: o governo federal. Tal movimento não necessita mais de invasões para chamar a atenção da sociedade. O movimento tem luz própria, devendo então usá-la de forma mais inteligente e não expondo seus participantes a conflitos que deixam muitas vítimas.
Os proprietários de terras, também, devem abdicar da guerra no campo, buscando a Justiça como melhor alternativa. Para que brigar, se a lei está do lado do dono da terra.
Nessa discussão, quem deve agir de forma mais eficaz é o governo, que tem a obrigação de colocar a reforma agrária como uma de suas principais metas, para que não tenhamos um derramamento de sangue ainda maior nos próximos meses. Vamos abrir os olhos para a guerra no campo, antes que seja tarde demais e nos lamentemos de tamanha tragédia. Com uma política austera e arrojada, creio que em longo prazo alcancemos uma resposta positiva para todos. Mas há a necessidade de um fator preponderante: vontade política.
Anselmo Meyer
(anselmomeyer@oestadodoparana.com.br) é editor de O Estado