O título acima tomei-o emprestado a Rolf Madaleno, em cujo trabalho examina, e lamenta, a lentidão e a inefetividade dos processos de cobrança executiva da obrigação alimentar, que “têm desacreditado leis e desmentido advogados, juízes e promotores, pois a estes que operam o direito, tem sido delegado o inglorioso esforço de buscar amenizar as angústias e de aparar os deletérios efeitos psicológicos causados sobre o credor de alimentos sempre quando constata e assimila, que a realidade das demandas de execução alimentícia, no atual estágio processual em que se apresentam, mais tem servido ao renitente devedor, do que ao desesperado credor.”
Por conta disso e para transpor o calvário à efetiva satisfação do crédito alimentar, o sistema processual brasileiro acena com um meio executivo que parece milagroso, quando permite a prisão civil do devedor moroso, excepcionada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (conhecida como Pacto de San José da Costa Rica), de 1969, e constitucionalmente permitida, constituindo, assim, meio excepcional de coerção. Tal meio, entretanto, não libera o credor de percorrer todo o calvário processual conhecidamente lento, no contraponto dos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Meio, portanto, não tão milagroso assim, como se viu. No Estado do Paraná, por exemplo, a Secretaria de Segurança Pública acumula 75.141 mandados judiciais de prisão, dos quais 40% são por dívidas civis, sendo a mais comum a dívida de alimentos. Se, de um lado, há a força do modo executivo do artigo 733 do CPC, doutro, essa força cede à eficácia da prisão civil. A quem interessa e a que serve a prisão civil do devedor de alimentos? Eis a questão!
A força coercitiva que emana desse artigo, que não limita o seu exercício a um certo número de meses vencidos, está enfraquecida no discurso judiciário. É que os tribunais restringiram a hipótese de prisão às três últimas prestações devidas, ou seja, quando inexiste avultado débito acumulado, que dificulte sobremaneira o adimplemento da obrigação toda. Expressiva é a jurisprudência sobre esse assunto, de que constitui exemplo este julgado do STJ: “Processo civil – Execução de prestação alimentícia. Formas. Processa-se a execução, na forma do disposto no artigo 733, quanto às prestações recentemente vencidas (tem-se falado nas três últimas parcelas; no caso adotou-se essa forma em relação `aos alimentos vencidos desde seis meses antes da propositura da execução’). Processa-se a execução na forma do disposto no artigo 732 quanto às prestações vencidas anteriormente. Recurso Especial do credor dos alimentos de que a Turma não conheceu.” Para Rolf Madaleno, decisões que prefixam o uso da prisão no limite de três prestações têm encorajado e instigado a inadimplência total ou parcial dos alimentos.
Se não é tão eficaz nem mais temerosa a idéia da prisão civil, é indispensável pensar em outras medidas coercitivas destinadas a tornar efetivo o cumprimento da obrigação alimentar, mesmo porque só deve ser utilizada (a prisão) quando esgotados todos os meios ao alcance do julgador, na ordem sucessiva dos artigos 16, 17 e 18 da Lei n.º 5.478/68 (de Alimentos).
Compreendendo que a prisão civil, se não resolve a cronicidade da inadimplência, só faz agravar a situação do devedor, que, confinado, não trabalha nem recebe salário e, de conseqüência, não paga pensão, e em dobro a do credor, que, se for o filho, perde a convivência e o auxílio material do pai, o TJRS concedeu ordem de habeas corpus a um pai recolhido em presídio a cumprir os dias de prisão, podendo sair durante o dia para trabalhar e retornar ao albergue para pernoitar, onde deverá passar os fins-de-semana. A medida visa evitar a paralisação das atividades laborais do alimentante, garantir o pagamento das parcelas executadas e pelas quais foi confinado e resguardar o adimplemento das parcelas futuras, interrompendo o círculo vicioso em que, fatalmente, se envolverá se tornar a faltar; inadimplemento, prisão, novo inadimplemento, nova prisão, e assim por diante.
Com o objetivo de desencorajar o descumprimento da obrigação alimentar que cabe aos filhos menores, foi criado pela Lei 13.074, cujo antecedente foi a Lei 269/1999, e regulamentado pelo Decreto 340/04, no âmbito da Cidade Autônoma de Buenos Aires, o Registro de Devedores Alimentários Morosos, que tem por função essencial organizar uma lista onde figurem todos aqueles que devem total ou parcialmente três cotas alimentárias consecutivas ou cinco alternadas, determinadas ou homologadas por sentença. Trata-se de sancionar a conduta morosa por meio de diversas restrições. Todo aquele que desejar realizar diversas atividades, como trâmites bancários, obtenção ou renovação de licença para dirigir, habilitação para abertura de comércio ou indústria, concessões, licenças ou licitações, ocupar cargos públicos ou diretivos de pessoas jurídicas, postular cargo eletivo deverá obter previamente um certificado de que não é devedor registrado.
Se a anotação no Registro afeta gravemente os direitos individuais do devedor, em violação aos direitos constitucionais da privacidade e da intimidade, o inadimplemento alimentar deixa de ser um problema privado ou íntimo da pessoa para revelar-se uma questão pública na medida em que atenta contra os direitos dos integrantes da família e contra a organização social baseada no respeito dos direitos humanos.
Entre nós, uma assemelhada restrição poderá nascer se aprovado o Projeto de Lei n.º 6.107/02, do deputado Lino Rossi, do PSDB/MT. Segundo a proposta do parlamentar, o trabalhador devedor de alimentos terá anotada tal circunstância em sua Carteira de Trabalho. Com isso, evita-se que o renitente se exima de sua responsabilidade ao mudar de emprego, podendo o novo empregador, ao contrata-lo, e tomando conhecimento de que é devedor de pensão alimentícia, proceder ao desconto da pensão em sua folha de pagamento.
Medidas coercitivas como essas, a exemplo da inscrição do nome do inadimplente nos serviços de proteção ao crédito, constrangedoras e embaraçosas, compeliriam severamente o devedor de alimentos ao cumprimento da obrigação no tempo exato da necessidade do credor, substituindo, com vantagens, a ineficaz constrição pessoal. Advoga Rolf Madaleno, constatado que os modelos executórios atuais conspiram contra o credor de alimentos, fazendo-o percorrer ingente calvário, recorrer-se às astreintes, como solução de extrema-unção do credor.
O cumprimento da obrigação alimentar deve encontrar sua motivação na livre vontade do obrigado, meio mais eficaz de sua satisfação. A via constritiva, é por demais sabido, não produz necessariamente o adimplemento obrigacional nem resolve o problema de fundo. Por isso, pensar em meios alternativos significa superar o tradicional conceito de pagamento em dinheiro e começar a analisar a questão de uma forma mais ampla, como uma prestação assistencial familiar, qualificando o grau de satisfação da obrigação. Assim, o calvário do executor de alimentos poderá tornar-se mais leve.
Waldyr Grisard Filho é mestre e doutor pela UFPR. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná e do Instituto Brasileiro de Direito da Família. Professor da Faculdade de Direito de Curitiba.