Uma das mais significativas preocupações dos processualistas contemporâneos é a efetividade do processo como instrumento da tutela dos direitos. O esforço daqueles que idealizam um processo com vistas ao alcance de uma sociedade mais justa e pacífica abriu espaço para a consciência da necessidade da recepção de novas tendências, de realizações de mudanças e reformas dos mais variados gêneros.
O momento é, sem dúvida, marcado pela busca de um instrumentalismo mais efetivo do processo, dentro de uma ótica mais abrangente e mais penetrante de toda a problemática sócio-jurídica. A eficiência da Justiça traduz-se na busca de mecanismos aptos à obtenção de resultado desejado, na medida em que cabe ao direito processual a sistematização do método estatal de solução de controvérsias.
Questões como a morosidade e a efetividade do processo, há muito, constituem o principal motivo do descrédito nos órgão judiciários, uma vez que a dilação temporal dos conflitos acaba por gerar uma série de inconvenientes para as partes e para a sociedade como um todo, além de comportar o agravamento da desigualdade substancial entre os litigantes.
Foi com vistas a esse problema, ou seja, o fator tempo, que a preocupação pela presteza da tutela se concretizou, através da importante reforma do Código de Processo Civil de 1994. Uma das questões que emerge quando tratamos do tema da efetividade do processo é, justamente, a problemática entre a rapidez e a segurança da tutela jurisdicional.
A tutela antecipada, entendida esta como a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, representa essa necessidade de providência mais célere, com escopo de amenizar os males decorrentes da injustificável demora na entrega da prestação jurisdicional.
Com a alteração do art. 273 do Código de Processo Civil viabilizou-se a concessão da tutela antecipada, a qual pode ser requerida em qualquer procedimento, estando presente seus requisitos ensejadores.
Divergência, porém, existe com relação ao seu cabimento com o intuito de suspender a execução de uma sentença transitada em julgado, objeto de ação rescisória e, ainda, se seriam cabíveis outros institutos processuais para tal finalidade, como a medida cautelar ou o mandado de segurança.
Em relação à rescindibilidade das decisões judiciais é importante deixar claro que somente é possível em casos específicos previstos na lei, constituindo exceção permitida para a revisão da coisa julgada, quando manifesta a injustiça ou nulidade da sentença.
No entanto, a melhor doutrina pronuncia-se pelo cabimento da tutela antecipatória na ação rescisória, concedida também em caráter excepcional, quando restar configurado o fundado receio de dano de difícil reparação, baseado na prova inequívoca, capazes de convencer sobre a verossimilhança das alegações. Neste sentido, assevera Luiz Guilherme Marinoni:
?Também é inegavelmente antecipatória a tutela que suspende a eficácia de um ato que se pretende ver anulado ou declarado nulo. Nesse caso impede-se antecipadamente, que o ato produza efeitos contrário ao autor. Há uma correlação nítida entre a suspensão da eficácia e a sentença; o autor através da suspensão da eficácia, desde logo se vê livre dos efeitos do ato impugnado.
Se é aceita a premissa de que é possível a suspensão dos efeitos da sentença rescindenda e essa premissa é absolutamente correta, já que uma sentença facilmente enquadrável em um dos incisos do art. 485 não pode produzir efeitos prejudiciais enquanto pende uma demanda rescisória que provavelmente será de procedência o autor obviamente pode requerer, via tutela antecipatória, a suspensão dos efeitos da sentença?(1).
Alguns são os óbices apontados por alguma doutrina para a concessão da tutela antecipada na ação rescisória, dentre eles a vedação do art. 489 do CPC, o juízo de plausibilidade do direito, e não a sua certeza, o reflexo extraprocessual, pois que, a sentença que será suspensa será a de outro processo e não a da rescisória.
No que tange a possibilidade de suspensão dos efeitos da sentença rescindenda, é sabido que se encontra vedado pelo artigo 489 da legislação processual. Pode-se pensar, portanto, num primeiro momento, que a concessão da tutela antecipada estaria vedada pela redação do artigo 489, do CPC, o qual não dotou a ação rescisória de efeito suspensivo, com a finalidade de proteção ao instituto consagrado constitucionalmente da coisa julgada.
Deve-se ter em mente, no entanto, que não é a ação rescisória em si, diante do artigo supracitado, que terá o condão de suspender os efeitos da decisão rescindenda, até o seu julgamento final, mas o fato de a situação se encartar num dos incisos do artigo 273 do Código de Processo Civil, porque pior do que se negar o princípio da imutabilidade dos julgados, proferidos ao arrepio da lei, é implementar-se a ilegalidade através da execução, negando-se a antecipação da tutela na rescisória.
A ação rescisória, de fato, não tem o condão de suspender a execução do julgado rescindendo, entretanto, tal dispositivo deve ser entendido à luz de uma legislação processual diferente da que vigeu até o início desse processo de reformas. Diante da necessidade de garantir o resultado útil do processo, fica claramente demonstrado através da pratica forense, que é, não somente oportuno, mas imprescindível a suspensão da execução do julgado, para evitar prováveis infortúnios e prejuízos à parte.
Relevante transcrever a opinião de Luiz Rodrigues Wambier, a este respeito:
?A interpretação que hoje deve dar-se ao art. 489 deve ser sistemática, já que o método de interpretação literal não é propriamente um método, mas um pressuposto interpretativo. A preocupação que teve o legislador da reforma, no sentido de agilizar e encurtar o caminho da prestação jurisdional, não pode ser desconsiderada na leitura e na compreensão de nenhum dos dispositivos , cuja redação é anterior à reforma, sob pena de esta ser, ainda que parcialmente, transformada em letra morta?(2).
Como o artigo 273 co CPC surgiu para dar presteza e agilidade ao processo de conhecimento e a ação rescisória nada mais é do que um processo de conhecimento cuja competência originária pertence aos Tribunais, nada obsta ser a ela aplicada a tutela antecipada, pois, estando o juiz diante de situação de provável desconstituição do julgado em favor do autor da rescisória deve ser concedida a antecipação como forma de evitar maiores prejuízos à parte. Serve como fundamentação para a concessão da suspensão da execução, os incisos I e II do art. 273, pois, em estando presente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou, o manifesto propósito protelatório do réu e, os demais requisitos exigidos para sua concessão, não há porque se executar uma sentença eivada de vício.
Assim, para se evitar prejuízos maiores ao autor que tem razão, deve ser concedida pelo órgão julgador a tutela antecipada a fim de obstar a execução de uma sentença nula ou injusta, estando, por óbvio, presente a situação de provável desconstituição do julgado em favor do autor da rescisória. Da mesma forma que a Constituição Federal protege a coisa julgada, a sentença objeto da ação rescisória deve ser protegida contra a sua ineficácia, posto que, a finalidade primordial do processo é chegar-se, o tanto quanto possível, à justiça e eficácia da prestação jurisdicional.
Também aqui se faz suficiente a menção ao posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que vem entendendo possível a excepcional concessão de cautelar ou a tutela antecipada na ação rescisória, desde que preenchidos os respectivos pressupostos:
?AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 489 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SUSPENSÃO DA DECISÃO RESCINDENDA. TUTELA ANTECIPADA. EXCEPCIONALIDADE. PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES. ART. 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DECISÃO DEFERITÓRIA. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO.
I – Não obstante o disposto no 489 do Código de Processo Civil – ?A ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda?. – o Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser cabível, excepcionalmente, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela em ação rescisória com o fito de suspender a execução da decisão rescindenda, desde que presentes os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil.
II – Na hipótese dos autos resta configurada a ocorrência de fundado receio de dano de difícil reparação, bem como a existência de razões suficientes, baseadas na prova inequívoca, capazes de convencer sobre a existência da verossimilhança das alegações da autora. Afinal, a morte do procurador de uma das partes suspende o processo no exato momento em que ocorreu, mesmo que o fato não tenha sido comunicado ao juiz da causa, sendo nulos os atos praticados posteriormente?.
Conclui-se, portanto, na atualidade, uma aparente tendência ao desapego do tecnicismo, pretendendo-se, em verdade, a crítica acirrada ao formalismo indiferente aos reais problemas a serem solucionados no processo.
Nessa perspectiva, a questão do cabimento da tutela antecipada na ação rescisória trata-se de ponto crucial na chamada ?flexibilização? do processo, pois que, representa nova concepção da instrumentalidade do processo diante da importância de se entregar ao jurisdicionado uma prestação que não caia na inocuidade e não interesse à parte.
Notas:
(1) Marinoni, Tutela antecipatória nas ações declaratória e constituiva, www.cfj.gov.br/revista.numero3/artigo17.
(2) Wambier, Curso avançado de processo civil, v. I, p. 356/357.
Ana Marina Nicolodi é mestre pela Universidade de Coimbra-Portugal, professora de Direito Civil e Empresarial na Faculdade UniBrasil, advogada. marinanicolodi@hotmail.com