O Brasil e o sistema mundial de proteção dos direitos humanos fundamentais

Parece não haver dúvida que é bastante significativo o avanço do Estado brasileiro no que se refere à adesão ao movimento (e direito) internacional dos direitos humanos ou direitos fundamentais, que ganhou singular impulso depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A internacionalização dos direitos humanos (ao lado da morte do positivismo legalista) constitui, provavelmente, a transformação jurídica mais saliente do século XX. A Declaração Universal de 1948 foi, nesse campo, um marco político e jurídico de importância indiscutível.

Do ponto de vista normativo (plano em que se desenvolve a democracia formal) o cenário brasileiro, especialmente depois da Constituição de 1988, é claramente distinto do precedente (quando nosso país era governado pelo regime militar).

Recorde-se que o Brasil é signatário de praticamente todos os documentos internacionais sobre direitos humanos.

Na sua quase totalidade (Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio -1948-, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados -1951-, o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados -1966-, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos -1966-, o Protocolo Facultativo Relativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos -1966-, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais -1966-, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial -1965-, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher -1979-, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher -1999-, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes -1984-, a Convenção sobre os Direitos da Criança -1989- e ainda o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional -1998-, Convenção Americana sobre Direitos Humanos -1969-, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais -1988-, o Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte -1990- a Convenção Interamerica -, na para Prevenir e Punir a Tortura -1985-, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher -1994-, a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores -1994- e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência -1999-), foram ratificados e acham-se vigentes entre nós.

De qualquer forma, estar integrado internacional e normativamente ao movimento global de tutela dos direitos humanos fundamentais não significa automaticamente que esses direitos estejam sendo satisfatoriamente respeitados no nosso país ou que o Brasil já tenha alcançado níveis mínimos de tutela desses direitos. O acesso ao judiciário brasileiro ainda é muito precário. A impunidade, sobretudo quando tem origem em ?operações ou cruzadas militares?, ainda é enorme.

Em outras palavras, o Brasil é sem sombra de dúvida sujeito ativo de muitas violações de direitos humanos, ou seja, é autor de muitos ilícitos internacionais humanitários (ou iushumanitários sobre a caracterização desses ilícitos cf. ZAFFARONI, Eugenio R., En torno de la cuestión penal, Montevideo: Editorial B de f, 2005, p. 124 e ss.). Seja em razão de violência dos seus próprios agentes, seja por força de sua omissão, certo é que o Estado brasileiro já começou a responder por esses ilícitos.

As primeiras ?denúncias? junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (em Washington) (casos do presídio Urso Branco em Rondônia, assassinatos de crianças e adolescentes no Rio de Janeiro etc.) bem revelam o quanto a tutela interna dos direitos humanos ainda está defasada. De outro lado, embora o Brasil tenha reconhecido a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998, não há notícia de nenhum julgamento contra o Estado brasileiro.

O avanço normativo brasileiro foi notável, de qualquer modo, ainda há muito que se fazer. Clássica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que todos os tratados ratificados pelo Brasil são incorporados internamente como se fossem leis ordinárias. Esse quadro deve ser mudado. No que se refere aos tratados de direitos humanos, respeitável doutrina (Piovesan, Valério Mazzuoli etc.) sustenta ponto de vista contrário, no sentido de que teriam status constitucional. A controvérsia perdura. A posição do STF, preponderante, é conservadora.

Com a Emenda Constitucional 45/2004 (que cuidou da Reforma do Judiciário e agregou novo parágrafo ao art. 5.º da CF – § 3.º), pode (agora) o Congresso Nacional, desde que preenchidos alguns requisitos, aprovar tratados de direitos humanos com o caráter de Emenda Constitucional. Aqui reside a atual e mais expressiva bandeira para todos que sonhamos com a possibilidade real e concreta de transformar a democracia formal em democracia substancial. Conferir aos tratados de direitos humanos o status de normas constitucionais, de outra parte, nada mais representa que inserir o Estado brasileiro no rol das nações mais avançadas nesse âmbito. Porque assim é nos países com os quais temos maior aproximação cultural (Portugal, art. 16.2 da sua Constituição, Espanha, art. 10.2, Argentina, art. 75, inc. 22, Peru, art. art. 105, Guatemala, art. 46, Nicarágua, art. 46, El Salvador, art. 144, Paraguai, art. 137 etc.).

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito penal pela USP, secretário-geral do IPAN (Instituto Pana-mericano de Política Criminal), consultor e parecerista, fundador e presidente do Pro Omnis-Ielf (Rede Brasileira de Telensino – 1.ª do Brasil e da América Latina www.telensino.com.br)

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