O Brasil e as drogas

O consumo e o tráfico de drogas são mazelas mundiais. As drogas são destrutivas e ameaçadoras para ordem mundial.

No Brasil a questão é dramática. Vivemos na falácia governamental e na hipocrisia social. Resultado da conjugação: somos grandes consumidores de drogas psicoativas.

Na verdade, no Brasil das incertezas, pelo menos na questão das drogas, temos um destino traçado: número crescente de usuários e dependentes químicos com penetração do tráfico de drogas nos três poderes da República.

O Estado, historicamente, negou que o Brasil fosse grande consumidor de drogas. Não precisa ter muita idade para lembrar das autoridades brasileiras falando que o país era somente “um corredor” de passagem para os Estados Unidos e para Europa.

Atualmente, o Brasil vive a época dos debates na questão da política antidrogas. Qual o modelo a seguir? O atual não é imposição imperialista americana? O melhor não seria o modelo da União Européia? E as determinações da ONU a respeito do assunto? Não precisa ser muito esperto para saber o que resulta de toda a discussão: inércia – marca registrada brasileira.

O Brasil não adota o modelo americano baseado na repressão. O Brasil não tem repressão. A fronteira brasileira é um queijo suíço, a polícia federal é diminuta, as polícias estaduais vivem em crise, o Ministério Público é insuficiente e o Poder Judiciário é de uma pobreza franciscana. Assim, há uma ilusão contagiante que o nosso modelo está errado, quando na verdade, não implementamos nada. Criticamos o que não realizamos no campo das drogas.

Aliás, não precisamos discutir modelos, pelo contrário, precisamos é de ação. É notório e incontroverso que qualquer política antidrogas deve estar baseada em três pilares: prevenção, repressão e tratamento de usuários e dependentes de drogas psicoativas.

Mudança legislativa e discursos doutrinários servem muito para ocupar a pauta da imprensa e vender livros, mas não diminui a penetração do tráfico de drogas na vida social brasileira. Hoje, infelizmente, não temos prevenção, repressão ou tratamento, mas continuamos discutindo.

Medidas práticas e urgentes poderiam ser tomadas em todos os campos. Por exemplo, a Polícia Federal e as Forças Armadas poderiam controlar as fronteiras. É evidente que as Forças Armadas não estão aptas para atuar como polícia judiciária ou preventiva, porém é de sua essência a proteção do nosso território. Aliás, o policiamento na fronteira não fere dispositivo constitucional ou desvirtua a sua natureza.

Quanto a prevenção, o primeiro passo é preparar as escolas para o trabalho, pois de modo geral não entraram na luta. O despreparo dos professores é mais um exemplo de que a lei, tão somente, e o falatório não servem para nada. Observe-se, que a muito tempo, a lei n.º 6.368/76 no seu artigo 5.º, caput, pregava a capacitação dos mestres, assim determinando:

“Nos programas dos cursos de formação de professores serão incluídos ensinamentos referentes a substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física, a fim de que possam ser transmitidos com observância dos seus princípios científicos.” (grifamos).

Inobstante o texto legal, desafiamos que alguém apresente uma grade de curso superior que conste o estudo da droga e seu universo (droga-homem-sociedade). Acresça-se a indagação aos professores (municipais, estaduais e de curso superior) se tiveram a oportunidade de realizar um curso sobre a matéria. A resposta será negativa.

Assim, não adianta somente exigir dos professores e das escolas trabalho permanente de prevenção, pois não foram capacitados para o serviço. Desta forma, voltamos a repetir, o primeiro passo é agilizar o treinamento dos professores e do corpo diretivo, o resto, é sonho.

A situação do tratamento para os usuários e dependentes é complicadíssima, pois o problema está ligado ao caos da saúde pública brasileira. Quem não cuida de doenças simples não terá em pouco tempo, condições de tratar os usuários e dependentes com eficiência e dignidade. O que podem fazer as secretarias de saúde e conselhos de entorpecentes é aprimorar os cadastros das clínicas disponíveis, além de agilizar convênios com as clínicas particulares.

Agora, nenhuma política antidrogas funcionará no Brasil diante da permissividade concedida ao álcool. Até mesmo a repressão e o tratamento ficam comprometidos pela penetração da bebida alcoólica. Qualquer policial ou médico sabe que a raiz do problema está na tolerância com o álcool. Em suma, “os soldados lutam não acreditando na guerra”.

O pior é querer fazer política de prevenção para jovens e crianças, satanizando a maconha e o crack, porém adorando o álcool em casa, no trabalho, na televisão, no rádio, nos estádios de futebol, etc.

O resultado da incoerência estatal e da hipocrisia da sociedade, especialmente, dos pais, é o descontrole das drogas. O governo (de todos os tempos) sabe do estrago produzido pelo álcool nas políticas antidrogas, porém não restringem o acesso e não proíbem a propaganda. É interessante ler o seguinte texto da professora Beatriz Carlini Contrim, exposto na apostila “Prevenção ao Uso Indevido de Drogas: diga SIM à vida” que foi produzida pela Secretaria Nacional Antidrogas – Senad ligada a Presidência da República:

“O destaque dado a apenas um lado da questão leva a uma compreensão distorcida da realidade. Um exemplo claro dessa distorção ocorre em relação ao consumo de bebidas alcoólicas. Embora a gravidade dos efeitos causados pelo uso abusivo do álcool seja evidente, o consumo de bebidas alcoólicas não sofre restrições pelos meios de comunicação.

Observa-se que esse consumo entre os jovens e adultos no país vem crescendo, desde 1995, numa velocidade nunca vista antes. Os estudos mostram que 90% das internações psiquiátricas por drogas no Brasil são causadas por problemas com o álcool, e que 50% das vítimas de mortes violentas (homicídios, suicídios, acidentes de trânsito), ocorridas na região metropolitana de São Paulo, estavam alcoolizadas no momento do óbito.” (obra citada, Brasília CEAD/UNB; SENAD/SGI/PR, 1999, V. I, pg. 60, grifamos).

É impossível diminuir o consumo de drogas ilícitas com uma política liberal (para não falar depravada) a respeito do álcool, pois temos preço baixo (é mais fácil tomar uma cerveja que tomar um suco ou leite), pontos de venda em excesso (botecos e similares existem “como estrelas no céu”), dias e horários livres (“a noite é uma criança”) e a propaganda é liberada (horários e órgãos).

É a propaganda no rádio e na televisão, por exemplo, que impede que a grande massa da população ligue álcool à droga. E todos sabemos que o álcool é a porta de entrada das demais drogas, pois o “clima de aceitação” do álcool influência positivamente no consumo das demais drogas. Sem esquecer, da teoria da escalada, pois na maioria das vezes a pessoa passa de drogas leves para mais pesadas. Bem como, aumenta a dose da mesma droga até o máximo.

É triste observar o descaso brasileiro, pois os países desenvolvidos protegem o seu povo. Ressalte-se o texto elucidativo:

“Políticas e campanhas de formação de opinião sobre o beber e o fumar têm-se mostrado capazes de influenciar os níveis de consumo. Assim, na Europa e nos Estados Unidos, o consumo de álcool encontra-se estável desde meados da década de 1980, o que significa que as pessoas estão bebendo menos. Esse fato tem levado as grandes corporações – sobretudo as cervejarias – a desenvolver estratégias para concentrar seus esforços na Ásia e na América Latina. Assim, essas regiões têm apresentado os maiores avanços mundiais, principalmente no consumo de cerveja, em contraste com o que vem ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos.” (Drogas nas Escolas, Mary Garcia Castro e Miriam Abramovay, UNESCO no Brasil, 2002, pg. 97, grifamos).

É criminosa a propaganda de bebida alcoólica na televisão e no rádio, inclusive de cerveja, pois vincula álcool à criança, álcool à juventude e álcool à beleza. É, por isso, que observamos tartarugas, peixinhos, sol, tatuagens, pouca roupa e artistas famosos. As crianças e os adolescentes não têm poder de reação, pois não encontram em casa ou na escola informação a altura para questionar as mensagens das peças publicitárias.

Os efeitos da propaganda do álcool são apresentados por vários especialistas, neste momento, vale destacar a seguinte observação do médico Ronaldo Laranjeira e da psicóloga Ilana Pinsky:

“Outro aspecto da questão ‘informação’ no tocante ao alcoolismo é a existência de campanhas publicitárias de bebidas alcoólicas – bastante intensas no Brasil. As indústrias e os publicitários insistem em que o único efeito da publicidade das bebidas alcoólicas é fazer com que o público já consumidor mude a marca de bebida que consome. Assim, se o indivíduo já bebe a cerveja X, pode ficar tentado, depois dos comerciais, a trocar para a cerveja Y – mas nada além disso. Apesar de termos a ‘sensação’ de que a publicidade não funciona exatamente dessa maneira e que os efeitos da propaganda não são apenas esses – afinal, para que gastar tantos milhões de dólares para convencer pessoas que já concordam com você? -, o fato é que é difícil provar, por meio de experimentos, os efeitos diretos dos comerciais. O que se tem percebido, depois de muito estudo, é que a propaganda de bebidas alcoólicas tem um papel bastante importante no estímulo à bebida, estímulo esse que pode resultar em problemas relacionados ao consumo excessivo de álcool. Esse feito, em vez de ser direto, refere-se ao impacto da propaganda sobre o chamado ‘clima social’.

O clima social sobre o álcool diz respeito aos diferentes pensamentos que a população tem sobre o ato de beber, sobre os problemas relacionados a esse ato e sobre o que deve ser feito em relação a eles. Esse fator é de extrema importância, porque, a partir desse clima, as políticas de regulamentação serão ou não levadas a cabo com eficácia e irão ou não auxiliar na prevenção do alcoolismo. Na medida em que a propaganda de bebidas alcoólicas, com suas imagens do álcool como ‘parte da boa vida’, tem o efeito de cotidianizar, banalizar e legitimar o consumo de álcool, o resultado – além do aumento nas vendas – será certamente contraproducente em termos de prevenção do desenvolvimento de problemas relacionados a ele.” (O Alcoolismo, Editora Contexto, 2000, 6.ª edição, São Paulo, pgs. 39 e 40, grifamos).

O governo, em seus três níveis, o Congresso Nacional e a sociedade civil devem agir imediatamente para mudar o destino do Brasil no tocante às drogas. A primeira missão é restringir o acesso ao álcool, começando pela proibição da propaganda de bebida alcoólica, inclusive de cerveja, na televisão e no rádio.

Em suma, restrição ao álcool e comportamento ativo das forças vivas brasileiras são as únicas solu-ções para o problema. Droga se combate com ação. O Brasil precisa de atitude.

Marcio Geron

e Roseana C. G. R. Assumpção são juízes da Comarca de Capanema/PR.

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