O Biodireito como forma de concretização dos postulados bioéticos(II)

 

 

Artigo desenvolvido pelo grupo de pesquisa em Bioética e Direito Penal da Famec, sob orientação da Profª M. Ana Carolina Elaine dos Santos. Integrantes: Giovana de Mello Morillas, Sandra Cordeiro Bastos, Marcelo Schetz, Francielli Araújo Veiga, Genésio Aires de Siqueira, Diana Thais Fuchs e Marilda Lima.

  

Bioética e biodireito: interseções

O Biodireito surge como alternativa para dar respostas aos problemas bioéticos uma vez que detentor de força coercitiva. Assim, o objetivo do biodireito é positivar normas aplicáveis à ética da vida, ou seja, criar um conjunto de leis voltadas a normatizar os ideais da bioética[1]. Sem a atuação do Direito e em vista da emergência das novas tecnologias as diretrizes éticas permaneceriam sem regulamentação.

Nesse sentido, “o biodireito surgiu para impor os limites a serem observados nas mais diversificadas experiências científicas e, no caso da inobservância das normas jurídicas, caberá ao Estado aplicar a devida sanção preestabelecida pelo ordenamento jurídico”[2].

Enquanto a bioética faz uma reflexão filosófica sobre seus temas, o biodireito cuida de sua regulamentação a fim de haver uma efetiva proteção dos bens jurídicos que são objetos de discussão e proteção da bioética.

Importante trazer à colação as palavras de Hironaka[3] : “desta correlação entre a Bioética e o Direito – ela, poderosíssima aliada ao mundo jurídico – nasce uma apresentação problematizada das novas situações da vida dos homens, oriundas destes avanços e conquistas de novas biotecnologias e até então não previsíveis, e que carecem da atenção e apreço do jurista, no sentido de lhes dar os limitadores contornos legais, pois que indispensáveis à concretização da sobrevivência humana, dentro dos padrões da dignidade e da ética. Os antigos códigos, legais ou éticos, que serviam como referência e medida de condutas habituais, tornaram-se obsoletos e insuficientes para a verificação, análise, limitação e regulação destas realidades novas, para as quais, nem mesmo por ilações de ficção, teria sido possível, antes, deitar construções ou estabelecer estruturas legais, por antecipação. O Direito, assim voltado a organizar as liberdades decorrentes das dimensões biotecnológicas que sem cessar despontam, bem como voltado à sua função maior de revisor e guardião de valores fundamentais da esfera humana, se estrutura e opera sob sua nova ordem, vale dizer, sob a denominação de Biodireito. E o duo inicial promovido pelo bio e pela ética, se pluraliza, se reforça e se redesenha neste viés jurídico novo, disponibilizado à garantia da preservação da dignidade humana e da dignidade da própria humanidade, num último assento”.

Para Myszczuk e Meirelles[4] “as questões levantadas pela bioética servem de fundamento para a positivação desses estudos, portanto, o entendimento é de que o biodireito é a manifestação jurídica da bioética”. A bioética é, portanto, fonte do biodireito.

Mas a rapidez com que a ciência evolui pode tornar a lei obsoleta e, nesse sentido, adverte-se que somente os princípios constitucionais é que poderão a contento oferecer soluções plausíveis. Nesse sentido, se interpretaria os ditames bioéticos a partir dos princípios constitucionais, pois somente estes possuem ampla vigência e atendem de fato à finalidade primordial dos avanços biotecnológicos que é a defesa e o respeito à dignidade humana.

É o que adverte Magno e Guerra[5] : “textos não limitam a atuação de indivíduos. Novos códigos de condutas não precisam ser criados, para prever penas a infratores e orientar os próprios médicos e cientistas. Estes preocupar-se-ão com os aspectos éticos de suas pesquisas, orientados pelos princípios de bioética, adiante examinados; ao passo que os aplicadores do direito observarão princípios constitucionais, plenamente capazes de adequar o ordenamento já existente às situações quotidianas. O Direito está instrumentalmente apto a moralizar a ciência e as condutas médicas, dados os princípios que regem o ordenamento e as áreas cientificas”.

Não é outro o entendimento de Jussara[6] quando aduz que o Biodireito deve seguir os preceitos constitucionais: “o Biodireito deve atender a princípios próprios e diferenciados que tenham como eixos centrais de todo o ordenamento guardar a vida presente e futura e garantir a dignidade da pessoa humana”.

Na mesma linha tem-se Namba[7] quando chama atenção para a preocupação que o excesso de normas pode acarretar, por isso determina que o biodireito deve seguir uma linha principiológica constitucional, já que algo menos positivado se torna mais efetivo.

Pode-se então afirmar que a bioética sozinha não produz efeitos práticos no que toca à responsabilização; portanto, a partir de uma linha principiológica constitucional torna-se indispensável a criação ou, até melhor, uma nova interpretação das normas já existentes, que procurem legitimar e delimitar condutas lícitas no ambiente da evolução biotecnológica.

 

Conceito de biodireito

O Biodireito nasce, então, da necessidade da positivação das normas da Bioética, eis que aliado ao rápido desenvolvimento tecnológico e a necessidade de respostas “a norma moral, por si só, torna-se insuficiente” [8] .

Meirelles[9] compreende que o “Biodireito é um ramo em desenvolvimento do Direito que tem a função de normatizar os efeitos jurídicos da prática biotecnológica”.

Bruno Gasparini[10] com espeque em Maria Celeste Cordeiro Leite Santos e Maria Dolores Vila-Coro define por biodireito a “ciência que tem como objeto a fundamentação e a pertinência das normas jurídico positivas, de lege ferenda e de lege data, para lograr e verificar sua adequação aos princípios e valores da Ética em relação à vida humana, que é o mesmo que dizer, sua adequação aos valores da bioética”.

Para Dalvi “biodireito é a estrutura normativa das regras que regulam as condutas científicas direcionadas à evolução, desenvolvimento e análise da vida humana e do meio ambiente”. [11]

Todos esses conceitos acarretam na necessidade de positivação das normas bioéticas através de imposição de sanção haja vista a moral não fazer frente a limites outrora desrespeitados pelas ciências.

O Biodireito nasce como um ramo do Direito que tem a capacidade de analisar o caso concreto e aplicar de forma mais eficaz a norma jurídica eis que diante da complexidade das questões compreende de forma mais ampla e interdisciplinar a dinâmica da Bioética.

 

A relação do biodireito com outros ramos do direito

Não é difícil imaginar a relação do biodireito com outros ramos do direito principalmente quando se está diante de temas relacionados ao nascituro, ao aborto de feto anencefálo, células-troncos, eutanásia, clonagem, reprodução assistida, transplantes de órgãos, dentre outros. Fácil também perceber que todos estes temas tem como centro de discussão a proteção à vida digna.

Vieira[12] delineia um paralelo entre a Bioética e os demais ramos do Direito trazendo á tona alguns dispositivos legais: “Código Civil: artigo 2º (existência da pessoa), artigo 13 (disposição do próprio corpo por exigência terapêutica), artigo 229 (sigilo profissional), artigo 951 (negligência, imprudência, imperícia no exercício profissional), artigo 1.597, III, IV, V (fecundação artificial, embriões excedentários); Constituição Federal: artigo 1º, III (dignidade da pessoa humana), artigo 5º, IX (liberdade científica) e X (direito à vida, privacidade), artigo 196 (direito à saúde), artigo 225 (meio ambiente); Código Penal: artigo 121 (casos de eutanásia), artigos 124 a 128 (aborto), artigo 129 (lesões corporais), artigo 154 (segredo profissional), dentre muitos outros, inclusive leis esparsas como, por exemplo, Lei dos transplantes”.

Assim, a Bioética relaciona mais intrinsicamente com o Direito Constitucional, com o Direito Civil, Ambiental e Penal e exerce influência para definir conceitos, como, por exemplo, o de vida e morte.

Para Chiarini[13] o biodireito se relaciona com o “direito constitucional, pois através de suas diretrizes criam-se os contornos que deverão ser seguidos e respeitados por todos os demais ramos do direito; com o direito ambiental quanto às questões dos organismos geneticamente modificados e ainda na questão da manipulação genética de células germinais humanas; com o direito administrativo quando da autorização para que os estabelecimentos de prática científica; com o direito do consumidor, pois cabe ao biodireito autorizar determinadas atividades cientificas que tenham implicações financeiras suficientes para atrair a atenção de empresas prestadoras de serviços médico-científicos; ao passo que, uma vez efetivamente prestados estes serviços, as referidas empresas prestadoras desses serviços estariam sujeitas, não só às normas do Biodireito, mas também às normas protetoras dos consumidores; e com o direito penal quanto à tipificação de condutas, como por exemplo, o aborto”.

Denota-se que o biodireito é eminentemente interdisciplinar e tem como núcleo rígido e comum preceitos constitucionais, principalmente no que toca à concepção do ser humano como um fim em si mesmo.


[1] SILVA, Ivan de Oliveira. Biodireito, Bioética e Patrimônio Genético Brasileiro. São Paulo: Pillares, 2008. p. 76

[2] Idem. p.74

[3] DALVI, Luciano. Curso Avançado de Biodireito – Doutrina Legislação e Jurisprudência. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 25-26.

[4] MYSZCZUK, Ana Paula e MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Artigo: Bioética, Biodireito e Interpretação (Bio) Constitucional. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional de CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008. p.335

[5] MAGNO, Arthur; GUERRA, Silva. Biodireito e Bioética: Uma Introdução Crítica. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005, p. 6.

[6] MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Biodireito em Discussão. Curitiba: Juruá, 2008, p. 41.

[7] NAMBA, Edison. T. Manual de Bioética e Biodireito. São Paulo: Atlas, 2009, p. 13.

[8] GASPARINI, Bruno. Transgenia na Agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 218.

[9] MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Biodireito em Discussão. Curitiba: Juruá, 2008, p. 41.

[10] SANTOS, M. C. C. L. Bioética e Direito ou Bioética e Biodireito? Biodireito em defesa de um conceito. Citada por GASPARINI, Bruno. Transgenia na Agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 218.

[11] DALVI, Luciano. Curso Avançado de Biodireito – Doutrina Legislação e Jurisprudência. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p.16.

[12] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética: Temas Atuais e seus Aspectos Jurídicos. Brasília: Conselux, 2006, p. 29.

[13] CHIARINI, Enéas Castilho Junior. Noções introdutórias sobre Biodireito. http://br.monografias.com/trabalhos910/nocoes-introdutorias-sobre/nocoes-introdutorias-sobre.shtml, pesquisado em 24-10-2011.

 

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