No filme de Roman Polanski O bebê de Rosemary, esperava-se uma criancinha e nasceu um monstro, filho do demônio. Algo como tal teme-se que aconteça com o renascimento da Sudene e depois da Sudam e da Sudeco. Lula prometeu em campanha e agora anunciou, num encontro em Fortaleza, a volta da Sudene e de suas irmãs gêmeas, estas menos ativas e prediletas para os vigaristas que usaram seus recursos em proveito próprio, desviando-os de projetos de desenvolvimento. Mamaram nas tetas do erário público, via incentivos fiscais.
A Sudene foi uma obra de boa intenção. Nasceu no governo Juscelino Kubitschek, no final da década de 1950, idealizada pelo economista Celso Furtado, um nordestino de nome internacional, que esteve presente na cerimônia de anúncio de renascimento do organismo regional. Foi extinta em 2001, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em meio a denúncias de fraudes, corrupção e um rombo estimado em R$ 2 bilhões em quinhentos projetos. Com a extinção da Sudene, foi criada uma agência de desenvolvimento que nunca funcionou. Já a Sudene, funcionou, se bem que mais para encher os bolsos de vigaristas que para gerar riquezas e empregos na região carente do Nordeste brasileiro. Aí, um paradoxo: melhor seria que tivesse sido um fracasso, como a agência que a sucedeu, pois assim não teria sido instrumento de malversação do dinheiro público.
Os projetos da Sudene foram, em sua esmagadora maioria, frutos de incentivos fiscais pleiteados por empresas do Sul do País. Alguns deles funcionaram, mas tantos foram os fracassos e tantas as maracutaias, que a fama do organismo é de que sempre funcionou como uma arapuca para pegar o dinheiro do fisco e enriquecer pretensos empresários e intermediários malandros, muitos deles agentes do próprio poder público.
É uma temeridade a recriação da Sudene, pois já na reunião solene em que Lula anunciou sua ressurreição começaram as disputas e desavenças. Os governadores presentes quiseram aproveitar a ocasião para reclamar da distribuição de recursos na reforma tributária. Foram impedidos de falar no assunto, para não empanar o brilho do encontro festivo. Mas não deixaram de reclamar que querem ter, em suas mãos, uma parte substancial do dinheiro que for gerido pela nova Sudene, pretensão em princípio descartada sob o argumento de que essa galinha dos ovos de ouro ainda sequer nasceu. Apenas foi anunciada.
Para acalmar os ânimos, foi dito que dos recursos de incentivos fiscais encaminhados para a nova Sudene, R$ 1,9 bilhão, os governadores poderão ter algo em torno de R$ 780 milhões. E como em quase tudo o que se faz no governo Lula, a renascida Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste será gerida encimada por um colegiado no qual não faltarão chefes de executivos estaduais, representantes governamentais, dos trabalhadores e do empresariado. Não obstante, prevê-se uma máquina burocrática de apenas duzentos funcionários. Dá para acreditar?
Ciro Gomes, ministro da Integração Nacional, falou em uma nova Sudene blindada, em que as fraudes não ocorrerão. Lula manifestou a mesma certeza.
Parece que, por momentos, ambos imaginaram um Brasil em estado de graça. Mas o passado da Sudene, e mesmo a história do Brasil, não autorizam acreditar em tanta virtude. Por enquanto, brigam pelo dinheiro da Sudene que nem existe, apenas os governadores. Mas é certo que não ficarão sozinhos. Que não nasça um novo bebê de Polanski.