“A educação é o próprio alicerce da boa cidadania. Nos dias de hoje, seria difícil esperar que uma criança a quem tenha sido negada a oportunidade da educação básica vença na vida. Essa oportunidade, cuja provisão é de responsabilidade do Estado, é um direito que deve ser assegurado a todos, em iguais condições.” (trecho do voto proferido pelo Juiz Warren da Suprema Corte Norte-Americana, no famoso julgamento Brown versus Board of Education, que discutia a segregação nas escolas públicas americanas).

Todo gaúcho tem orgulho de ser um pouco “maragato”. Foram os maragatos que se insurgiram, em 1893, na Revolução Federalista, contra o sectarismo e autoritarismo de Júlio de Castilho. Os maragatos, na tradição gaúcha, passaram a ser os defensores da liberdade, da autonomia.

Os “pica paus”, que defendiam Castilho, ganharam esse nome em função da cor de seu uniforme. Os federalistas batizaram os insurrectos de maragatos em alusão à sua origem estrangeira: seriam originários do Uruguai, descendentes de espanhóis da Província de Maragataría, espanhóis mouros, diga-se de passagem, vindos da cidade egípcia de Maragath. Seriam os insurretos, portanto, estrangeiros, desligados da lei local. Na Revolução, entretanto, ser maragato passou de insulto à honraria. Ser maragato passou a ser rebelde, a ser contra à ordem cruel de um regime autoritário.

Em Curitiba, não existe bairro mais maragato do que o Pinheirinho. Não só pela concentração de maragatos de origem gaúchos e seus descendentes mas pela forma independente e ousada que o bairro e seus moradores encontram para resolver os seus problemas, para brigar contra o descaso oficial. Os maragatos do Pinheirinho agem de forma independente; agem do seu jeito. Encontram soluções por conta própria, sem esperar que outros venham resolver os seus problemas. Foi no Pinheirinho que conheci professora Izilda, representante de uma legítima família de maragatos:

– Da minha casa, tenho vista da escola…

Já conheci apartamentos com vista para o mar. Ouvi falar de chalés com vista para a montanha. Professora Izilda me diz que, das janelas de sua casa, consegue ver a escola pública da qual é diretora. Não sei o nome “oficial” dessa escola. Prefiro chamá-la de Escola Esperança.

A Escola Esperança é um pouco igual, mas na essência muito diferente, de dezenas de milhares de outras escolas públicas espalhadas pelo Brasil. Escola Esperança é uma Escola Maragata. Como todas as escolas públicas, Escola Esperança recebe verbas do poder público. Como poucas, a escola encontra, além desses recursos, maneiras de resolver os seus próprios problemas, a pelear pela educação. Professora Izilda multiplica os recursos, estica o dinheiro, busca soluções. Professora Izilda acredita que da sua casa, das suas janelas, tem uma vista para o futuro.

Contando sobre as suas batalhas, falando sobre as suas vitórias, conseguimos sentir, imaginar até, um país mais justo. Batalhas e vitórias contra monstros poderosíssimos: descaso oficial; pobreza; falta de recursos e estrutura.

No país da ignorância conveniente, o exército de Izilda é sempre o menos armado, mas nunca o mais fraco. Seus batalhões contam com outros maragatos, gente lá do Pinheirinho, que participa da escola doando uniformes, complementando a merenda, trabalhando como voluntários na conservação do prédio e na educação de adultos. O exército da professora é a própria comunidade, pessoas que reconhecem a importância de uma boa escola e o fazem por conta própria, sem esperar por ninguém, sem esperar por ajuda.

A Escola Esperança é linda e bem cuidada. Crianças e adultos apreendem a ler nessa Escola Maragata, aprendem a pensar, a entender o mundo.

A Escola Esperança não educa. Distribui cidadania.

Aristides Athayde é advogado, Professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito de Curitiba, Mestre pela Northwestern University Chicago Former Chairperson da Camâra de Comércio Brasil EUA (AMCHAM). Membro da Câmara de Comércio Franco Brasileira e da ICC International Chamber of Commerce.

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