Na obra Parerga und Paralipomena (1851), mais especificamente no capítulo intitulado Sobre livros e leitura, Schopenhauer chama atenção para um aspecto fundamental do ato de ler: o tempo. Mostra o filósofo que ?Seria bom comprar livros se pudéssemos comprar também o tempo para lê-los?. Bastante atual essa observação de Schopenhauer para não confundirmos a compra de um livro com a simples apropriação do objeto. O livro é um objeto que cobra do proprietário um ato: a leitura. Pensando no ato da leitura em si, o tempo é realmente precioso se levarmos em conta que a experiência da leitura não está ligada à rapidez com que lemos, mas à reflexão sobre o que foi lido. Precisamos do tempo não só para ler, mas também para pensar.
No entanto, se pensamos ou analisamos o que lemos, muito provavelmente precisamos retornar ao texto lido. A idéia complementar que o texto do filósofo sugere assim se expressa: ?Todo livro minimamente importante deveria ser lido de imediato duas vezes,(…) em parte porque, para todos os efeitos, na segunda vez abordamos cada passagem com um ânimo e estado de espírito diferentes do que tínhamos na primeira, o que resulta em uma impressão diferente e é como se olhássemos um objeto sob uma outra luz?. A nova luz, o novo efeito, que está carregado com todo o histórico particular que cada leitor possui, promove, assim, o efeito circular e progressivo provocado pela leitura.
O efeito circular carrega em si a idéia de que cada texto nos provoca para novas direções, nos empurra para a criação de um outro texto que poderá apresentar concordâncias e/ou discordâncias com o texto anterior. O efeito progressivo promove a idéia de que cada leitura acrescenta uma nova experiência que, aliada ao conhecimento, faz o leitor dar um passo adiante na percepção do conhecimento de mundo que possui.
O ato da leitura provoca o leitor para novas dúvidas, para supostas respostas, mas não para o conformismo, como se ali estivesse todo o cerne do conhecimento humano. Essa inquietude, provocada pela leitura, poderia ser motivo de pânico, mas é bom lembrar que acabamos selecionando o que nos interessa. Se tivéssemos a capacidade de lembrar absolutamente tudo que foi lido, assim como tudo que foi vivenciado, não nos sobraria tempo para pensar. Seríamos condenados, como o personagem Funes, do conto Funes, o Memorioso, da obra Ficções, de Jorge Luis Borges. O triste personagem de Borges lembra e rememora todos os acontecimentos e tudo o que leu, minuciosamente, ficando preso a um labirinto de conhecimentos desarticulados. Pensar, de acordo com o mesmo conto é esquecer diferenças, generalizar, abstrair. É o passo seguinte da leitura, da seleção que o ato da leitura provoca, da capacidade de captar o objeto de leitura, induzindo também a comparar, aproximar e/ou afastar o texto de algum outro conhecimento. Numa leitura não seria possível, nem necessário, lembrar cada vírgula e palavra lida. Retemos o que convém para o nosso sistema de objetivos e idéias. Retemos o necessário para pensar.
Dessa forma, o ato da leitura vai além do tempo que dispomos para ler um livro. Comporta também a noção de envolvimento com a obra lida. É passo seguinte para uma outra leitura, para a continuidade do ato de ler. No ato da compra do livro, deveria vir mesmo um pacotinho de tempo extra. Não só para a leitura, como para a sua releitura (quando necessário) e mais ainda, para a reflexão. Schopenhauer parece ser exigente demais com nossa época, em que é quase impensável tal disposição. Mas valeu a sugestão para se pensar na condição da leitura e suas provocações.