O arrombador

O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, na nova incumbência que diz ter recebido do presidente Lula, está à caça de recursos para aplicação na área de infra-estrutura. É a prioridade número um, segundo confessou a empresários reunidos na Confederação Nacional da Indústria. Nessa tarefa, Dirceu disse que fará o possível e o impossível, inclusive arrombará portas, se necessário. “Vamos atrás de investimentos aqui e fora e vamos arrombar as portas onde elas estão fechadas.” Com prazer, cumprindo o papel que o presidente lhe deu.

Aparentemente, o jogo de palavras apenas traduz um homem decidido e obcecado pela sua mais nova missão, investido que foi na presidência da Comissão de Incentivos aos Investimentos Produtivos Privados no País. Apenas aparentemente. As primeiras portas que José Dirceu promete arrombar caso encontre dificuldades estão no Senado Federal, onde o governo encontra dificuldades para fazer passar o projeto das PPPs – as parcerias público-privadas. A oposição – leia-se a bancada do PSDB – não está disposta a aprovar o projeto assim como está e se o governo não alcançar o que pretende no próximo esforço concentrado do Congresso, de 13 a 17, já antecipa que deverá resolver o problema por medida provisória.

O próprio Dirceu admitiu, após sua bravata, que a expressão “arrombar portas” que usou é um pouco forte demais – o que ele atribui à sua personalidade. Para tirar da mira a oposição, verdadeiro objetivo de suas críticas, tergiversou. Às vezes – justificou mais tarde – é preciso resolver em poucas semanas problemas que levariam meses. E detalhou ainda mais um hipotético arrombamento: os portos, por exemplo, têm passivo com a Receita Federal e com a Justiça do Trabalho; resolver tudo demoraria de oito a dez meses…

Não convenceu. Como José Dirceu passaria por cima de questões como essas? Arrombar as portas da Justiça do Trabalho, onde os debates sobre passivos seguem uma linha civilizada, traçada pelas leis e rituais processualísticos, por exemplo, não é obra dignificante para um ministro, nem factível numa democracia. Dirceu disse outra vez besteiras e isso não passou despercebido no Senado, onde as críticas do ministro atingiram defensores do governo anterior. “Lá vem o bravateiro de novo bancando o cabra-da-peste”, reagiu o líder do PSDB, senador Artur Virgílio. Dirceu poderia passar sem essa: “Depois dos casos Waldomiro Diniz e Celso Daniel, quem não tem autoridade moral é ele. Em qualquer outro governo, o ministro Dirceu teria sido demitido”.

Mas que portas José Dirceu quer, de fato, arrombar? A solução do impasse político através da edição de medida provisória, como sugeriu seu colega, o ministro Guido Mantega, do Planejamento, também seria uma truculência. No mínimo, o governo estaria se valendo de uma medida de força (reservada apenas para situações de emergência e relevância), que desrespeita a função constitucional de uma instituição da importância do Senado.

Com o palavreado agressivo que usa, José Dirceu não devia reclamar dos que enxergam “surtos de autoritarismo” no governo que defende certos controles sobre a imprensa e sobre a criativa área do cinema e do audiovisual – para ficar apenas nas últimas. Arrombar portas é trabalho bruto e tem muitos significados. Pode traduzir um certo desapreço para com as normas e conveniências estabelecidas; pode trair a falta de paciência no esperar por soluções negociadas; pode denunciar a intenção totalitária de quem não admite outras alternativas; pode, enfim – e apenas para ficar no que é mais óbvio – sugerir o uso da força, isto é, da truculência ou do autoritarismo. Alguém precisa dizer a Dirceu que na política o importante, mesmo nas situações extremas, é esgrimar com elegância e, sendo do governo constituído, com um pouco mais de paciência. Sem essa de arrombar para depois tentar explicar os motivos do arrombamento.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo