Mais uma vaga no STF a ser preenchida pelo presidente Lula. Desta vez é para o lugar de Nelson Jobim

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Tempos atrás Folha e Conjur (30.03.06) publicaram artigo dos juristas Arnold Wald e Ives Gandra Martins, ressaltando a competência do novo ministro do STF, Ricardo Lewandowski. Aproveitaram o espaço e propuseram ao presidente da República que fosse mais razoável nas escolhas para o STF, deixando mais ou menos claro que as nomeações anteriores foram feitas de forma arbitrária.

Sem me estender sobre essa aparente contraditio in terminis da discricionariedade razoável defendida pelos renomados juristas, o jornal O Estado de S. Paulo (11.01.06) já havia dito que ?nas quatro indicações que já realizou para o STF, o presidente Lula não seguiu critérios doutrinários. Cedendo a interesses políticos, escolheu nomes sem maior expressão intelectual e com orientações doutrinárias distintas. Com opiniões discrepantes sobre quase todas as matérias, os votos desses ministros têm sido conflitantes, o que torna as decisões da corte imprevisíveis, disseminando com isso a incerteza jurídica no País. Recentemente, um desses ministros, após votar num processo rumoroso, voltou atrás e mudou radicalmente o teor de seu voto. Uma decisão alterada assim justifica a opinião de que os ministros indicados por Lula colocam a política à frente do direito, minando a confiança da sociedade no STF.?

Por outro lado, nenhum jurista de escol pode negar que, sob o ponto de vista estritamente jurídico-doutrinário, as interpretações que foram dadas pelo STF ao texto constitucional para validarem a existência do CNJ como órgão administrativo acima do regime federativo, seguida daquela que colocou o princípio da moralidade administrativa acima da própria Constituição Federal, foram claramente de cunho ideológico.

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O CNJ, por sua vez, a partir do momento em que foi autorizado pelo STF a exercer o poder normativo, passou a baixar resoluções, regulando matérias próprias de normas jurídicas gerais e impessoais, avançando sobre a competência exclusiva do poder legislativo, quando não obrigam aos legislativos locais, que façam a lei como ele quer que seja feita.

O certo é que estamos vivendo, pelo menos no que se refere às Justiças estaduais, o que Hannah Arendt chama de ideologia totalitária.

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O CNJ veio exatamente para cumprir esse papel totalizador de sorte a uniformizar as Justiças estaduais. Se reunirmos as entrevistas, artigos, decisões e comentários mais recentes 2003/2006 – do ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos; dos ex-ministros Nelson Jobim e Edson Vidigal; dos atuais ministros do STF, Antonio Cezar Peluso e Ayres Brito; do secretário de Reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini; do atual subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil, Sérgio Renault; do conselheiro do CNJ, Alexandre de Morais; do então chefe da Casa Civil, José Dirceu; dos presidentes das associações de juízes, AMB, o juiz de Direito Collaço, secundado pelos seus diretores; o juiz de Direito, Marcelo Semmer da AJD e seus conselheiros; também o da AJUFE-Regional-SP, Anamatra, constatamos inegável inclinação ideológica antifederalista, portanto, padronizada, na medida em que defendem a uniformização das condutas administrativas dos tribunais de Justiça estaduais. O eufemismo empregado para sustentar essa odiosa padronização se assenta na finalidade de ?democratizar o Judiciário?, nas exatas palavras do ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos que, consciente ou não, repete mais ou menos a mesma finalidade do ?centralismo democrático?, de Lênin, qual seja, unificar a administração pública para impor a vontade do povo. O curioso desse pensamento é que o teórico marxista Gramsci, aponta, como sendo um dos meios mais eficientes do fascismo para o pleno controle ideológico, a política de centralização administrativa que, de regra, vem justificada na necessidade de planejamento único e uniforme para que se cumpra com a eficiência das condutas orgânicas administrativas. Mire-se, por exemplo, na última resolução do CNJ que simplesmente cassou, a pedido de seis ou sete desembargadores paulistas, formados dentro de uma cultura administrativa oligárquica e ultrapassada, o poder-dever constitucional dos tribunais estaduais de realizarem eleições diretas para o órgão especial.

Não se pode deixar de mencionar que esse plano totalitário parece que tentou se instalar no País inteiro com a tese do ?aparelhamento? do Congresso Nacional por meio do ?mensalão?, conforme denuncia do Procurador Geral da república. Nos anos de chumbo essa tática era chamada de ?combater por dentro?, ou seja, usar do próprio colapso ético e moral do sistema político vigente para derrubá-lo, criando com isso as ditas condições objetivas para uma revolução do tipo desejado pelo pragmatismo marxista.

O mais intrigante disso tudo é que essa totalização administrativa agrada também à direita conservadora que não só no plano administrativo, mas especialmente no plano jurisdicional, quer ver os juízes e tribunais estaduais obedientes a um único comando. Tome-se o exemplo do impoluto jurista e homem religioso que é enquanto membro atuante da Opus Dei, o mesmo Ives Gandra Martins quando, na condição de advogado da Febraban, explicitamente disse que a definição da política monetária e cambial deve ser de exclusiva competência do Banco Central, único a determinar as taxas de juros básicas para o sistema financeiro, não podendo tais taxas ficarem sujeitas à interpretação subjetiva de cada membro do Poder Judiciário brasileiro (Folha,15.11.05).

Recentemente no site Conjur (23.04.06), o não menos culto advogado e político, José Roberto Batochio, observou que a reforma do Judiciário foi feita como sendo de interesse do capital internacional em transformar o Judiciário numa pirâmide, com o Supremo Tribunal Federal no vértice, julgando as grandes questões, como privatizações, e a Justiça de primeira instância na base, julgando ações dos miseráveis. Uma espécie de foro do capital.

Essa afirmação encontra confirmação na ideologia liberal do Consenso de Washington (de 25 anos atrás) ao dizer que o Judiciário brasileiro era e é o maior entrave para o desenvolvimento brasileiro (leia-se: mercado internacional).

Fico então imaginando se é a esquerda do senhor José Dirceu que quis ?aparelhar o Estado? a fim de criar aquilo que Marx dizia a respeito das ?condições objetivas? para a revolução, permitindo, por exemplo, que os bancos pratiquem esse tipo de juros que não existem em qualquer lugar do mundo e que os tornam cada vez mais ricos e poderosos, ou então dessa ?esquerda democrática judicial? extraordinariamente benevolente para com criminosos, ou então, não é nada disso, mas simplesmente uma mistura própria da pós-modernidade entre os extremos para que esse aparelhamento se realize de forma absoluta entre nós, começando por estabelecer controles administrativos e jurisdicionais sobre os tribunais estaduais, aqueles executados pelo CNJ e estes executados por meio de súmulas vinculantes, acompanhados de outras soluções processuais de duvidosa seriedade científica.

O ?aparelhamento? do controle administrativo dos tribunais já está em pleno vigor por meio das ?resoluções? do CNJ, sendo que o ?aparelhamento? do STF foi implementado, segundo o próprio presidente da República, conforme notícia da Folha de São Paulo, pelo ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos.

Confira-se

?A despeito das declarações públicas de consideração, o presidente Lula, na intimidade, já começou a falar mal de Márcio Thomaz bastos. Em uma conversa, o presidente disse que o ministro da Justiça não controla a PF. Em outra, que só se preocupava com seus ex-clientes. Em ambas, que o STF teria sido aparelhado por Thomaz Bastos, e não pelo governo (Folha, Painel, 14.04.06).

Portanto, os digníssimos juristas Ives Gandra Martins e Arnold Wald se enganam ao supor que as nomeações para o STF e para o CNJ foram simplesmente arbitrárias. Como disse o trecho do editorial do jornal O Estado de S. Paulo acima transcrito, coadjuvado pelas palavras do próprio presidente da República, as nomeações foram propositadamente ideológicas de maneira que os dois órgãos máximos do Poder Judiciário, executem uma política administrativa e jurisdicional planejada e uniformizada, aliás, como a pós-modernidade exige.

A questão estará em saber, em futuro próximo, quem de fato aproveitará esse ?aparelhamento? do senhor ministro Marcio Thomas Bastos. Servirá à insaciável direita dos banqueiros, ou à fanática, porém enrustida, esquerda do ?centralismo democrático? que se esconde atrás de falsos discursos de proteção dos direitos humanos onde se incluem sociopatas irrecuperáveis, Estado penal mínimo, direitos de identidade, generosidade para com criminosos, ?dedodurismos ideológicos?, moralização de tribunais, declarações contra desembargadores, etc. e tal?

Uma coisa é certa: seja uma ou outra, não servirá para o real e único fim do processo judicial que é a busca do justo da lei a ser descoberto pelo juiz, casuística e refletidamente, processo por processo.

Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.