O anel de tucum

Em assembléias sindicais e assemelhadas chamam de “fazer o H”. Funciona mais ou menos assim: conhecendo posições e propostas da oposição, o comando da situação escala alguém do plenário para apresentar proposituras exatamente semelhantes àquelas, defendendo-as até onde for necessário, mas também modificando ou retirando, quando e se assim for conveniente. Importante é dominar todas as fases do debate para, assim, garantir uma votação tranqüila e previsível. Os militantes do PT conhecem bem a tática e a prática. Mas teme-se que nos desentendimentos que afloram no seio do governo, no caso da Medida Provisória 2.027/38, ninguém esteja apenas “fazendo o H”.

Dias atrás o ministro-chefe da Casa Civil e até ontem presidente do PT, José Dirceu, disse que o governo não cogita a revisão da medida provisória que exclui os invasores de terras do programa de reforma agrária. A MP, editada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, foi duramente criticada pelo Movimento dos Sem-Terra e pelo Partido dos Trabalhadores que, de todas as formas, procuraram torná-la sem efeito. O mesmo José Dirceu, que hoje descarta a revisão da norma, à época, em nome da bancada do PT encaminhou uma petição ao Supremo Tribunal Federal, alegando a sua inconstitucionalidade.

As declarações do ministro José Dirceu foram feitas na esteira das últimas iniciativas do MST, entre elas a invasão de terras particulares e ocupação e depredação de prédios públicos. Pensava-se que refletissem, como seria natural, o pensamento do governo, empenhado na manutenção da ordem pública e no respeito às normas vigentes.

O ministro de Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, entretanto, discorda de Dirceu. E com ele está também o presidente do Incra, Marcelo Resende, que usa na mão esquerda um anel escuro de tucum – o mesmo usado por padres, freiras e leigos da Amazônia ligados à ala progressista da Igreja Católica. Ambos fazem parte da ala governista (e do PT) que discorda do governo, não por uma questão de “H”, mas por motivos ideológicos e programáticos. Querem, como se diz, “descriminalizar” as invasões.

O desentendimento – ou debate interno? – poderia até ser encarado com naturalidade, não fosse o barril de pólvora que o assunto representa. Enquanto os radicais do partido e as lideranças do MST cobram dos antigos companheiros explicações para a mudança de posição (“eles é que devem explicar por que mudaram”), os do governo se sentem investidos de uma responsabilidade que antes não tinham e, de certa forma, também são levados a radicalizar posições em atendimento aos interesses da nação, que rejeita o repto de um acampamento de lonas pretas montado em plena Esplanada dos Ministérios.

A medida provisória em questão é uma forma de conter excessos e abusos. Ou pelo menos de não contemplar quem os comete. A escalada de invasões anunciada para o próximo mês (“o pior ainda está por vir”) está elevando o calor dos debates e também das preocupações. Assim como ocorre com a violência urbana, onde até as Forças Armadas foram convocadas a intervir em nome da ordem, é preciso cuidar da violência no campo. Pelo menos no Planalto, anéis de tucum não deveriam ter lugar.

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