Desde a ativa participação na imprensa do grande advogado baiano Rui Barbosa, a proximidade dos advogados com a imprensa tem sido notória: uma aliança bastante profícua, cujos resultados estão registrados na história da imprensa brasileira. Os legisladores pátrios, porém, seguiram caminho inverso, talvez, no justificável intuito de evitar os abusos do jornalismo sensacionalista, criaram normas nada objetivas com o escopo de, senão evitar, ao menos inibir a atuação dos advogados junto à imprensa.
Sem esquecer que é constitucionalmente garantida a livre manifestação do pensamento e expressão das idéias, por mais polêmicas que estas venham a ser, a Lei n.º 8.906/94, a qual cuida do Estatuto da Advocacia, inclui, no seu artigo 34, inciso XIII, como infração disciplinar, o ato de “fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes”. Com base nesse preceito, pouco objetivo e bastante vago, o Código de Ética e Disciplina da OAB dedicou mais três artigos para descrever como deve ser a relação do advogado com a imprensa.
Todo preceito de lei tem de ser objetivo, caso contrário, estaremos caminhando para uma ditadura da Jurisprudência, que é a soberania do Judiciário em substituição à vontade do legislador. O próprio artigo 34, inciso XIII, entra em conflito com as limitações inscritas nos artigos 27 a 30 da mesma lei. Quando a Lei n.º 8.906/94 arrola os impedimentos do exercício da advocacia, não inclui o exercício da profissão de jornalista, nem tampouco, a de escritor ou cronista.
A terminologia “fazer publicar na imprensa” pressupõe que o advogado tenha um papel mais ativo do que mero um “expert” consultado, confundindo-o com o próprio jornalista que redige a matéria. Ainda que as duas figuras se confundam – a do advogado e a do jornalista – como foi o caso de Rui Barbosa, não há impedimento nenhum, a se tomar pelo conteúdo dos artigos 27 a 30 da Lei n.º 8.906/94. Se o advogado opina, quando consultado pela imprensa livre, deve ter todo direito de manifestação da sua idéia ou de sua posição, claro que respeitado e resguardado o sigilo profissional.
Quando a lei proíbe “alegações desnecessárias e habituais” está pecando pela subjetividade, ao menos no que concerne ao primeiro termo: de quem é o critério para avaliar a necessidade ou não da manifestação do advogado? Do jornalista, do próprio advogado, ou do Conselho da OAB? Afinal, não se poderá olvidar que ao advogado é garantidos o exercício de sua profissão, com ampla liberdade (vide artigo 7.º, inciso I, da Lei n.º 8.906/94).
A livre manifestação da imprensa inclui o direito de levar ao conhecimento de seus leitores várias causas forenses em trâmite pelo Judiciário. Em contra-partida, é direito do advogado de defender a posição de seu cliente, não só na instância forense, mas também no âmbito da imprensa, se lhe for oportuno. A subjetividade da restrição do advogado de se manifestar perante a imprensa sobre causas pendentes obsta o seu direito constitucional de (a) livre expressão do pensamento e (b) livre exercício da profissão, sem falar, é claro, que, muitas vezes a manifestação do advogado é em defesa de seu cliente, ou ao menos, da posição jurídica de seu cliente, o que não pode ser tolhido, mas, ao contrário, protegido tanto pelo legislador, como pela Ordem dos Advogados do Brasil.
O artigo 32 do Código de Ética e Disciplina da OAB vai mais além da restrição imposta pelo já citado artigo 34, XIII, da Lei n.º 8.906/94, ao dizer que o advogado, ao participar de programa de televisão, rádio ou entrevista em imprensa escrita deverá visar “a objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos”, sem qualquer propósito de promoção pessoal ou profissional. O que a norma objetivava proteger talvez tenha sido o sigilo profissional e, ainda, evitar que o advogado se torne um “vendedor de serviços”, comercializando ou “mercantilizando” a profissão, palavras que foram banidas do jargão profissional da advocacia (vide artigo 5.º, do Código de Ética).
Entretanto, o que a norma conseguiu, em realidade, foi deixar um mar aberto à interpretação subjetiva, almejando transformar todo advogado em professor de Direito para o público leigo e não num perito no conhecimento das leis que, como qualquer um, tem direito a opinar sobre os fatos e deles extrair conclusões à luz da legislação vigente.
Como muito bem sentenciou a filósofa Ayn Rand, “o que não pode ser formulado em uma norma objetiva, não pode ser objeto da legislação”.
O excesso de leis no Brasil demonstra que o ânimo do legislador de controlar todos os atos humanos é maior que sua capacidade em formular normas curtas e objetivas. A verdade é que muitas de nossas leis não passam de uma carta branca ao controle de muitos por poucos.
Marcelo Batuíra Pedroso é advogado, doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP .