Há uma distância enorme entre o direito assegurado em lei e as ferramentas utilizadas pelo INSS a denegar o direito ao benefício auxílio-doença acidentário a qualquer segurado acidentado e ou que haja desenvolvido doença ocupacional.
O direito ao benefício acidentário (B-91) assegurado em lei a todo segurado com incapacitação laboral tem sido, portanto, denegado, com abuso de poder, fraudes, conivências, como temos denunciado reiteradamente em nossos artigos.
Dispõe a Lei 8.213/91 sobre os benefícios ao trabalhador infortunado:
a) Artigo 86: ?O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei n.º 9.528, de 10.12.97)?.
b) Artigo 62: ?O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez?.
c) Artigo 63: ?O segurado empregado em gozo de auxílio-doença será considerado pela empresa como licenciado?.
O Colendo TST TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO analisando o dispositivo transcrito, já decidiu:
?Estando suspenso o contrato de trabalho, em virtude de o empregado haver sido acometido de doença profissional, com percepção de auxílio-doença, opera-se igualmente a suspensão do fluxo do prazo prescricional?, concluiu o relator?. (RR-424/2001-069-09-00.5) (Fonte: TST)
Apesar do direito assegurado em lei, na prática não é o que vem acontecendo com os trabalhadores segurados, como vimos denunciando em nossos artigos, em que o benefício quando eventualmente concedido pelo INSS não é o de lei, o acidentário, mas apenas o auxílio-doença comum (B31), aumentando o propalado déficit, que tal benefício não tem fonte de custeio, diferente do B-91, que tem caixa próprio financiado pelo SAT, com desconto mensal incidente sobre a folha de pagamento das empresas.
Reconhecendo o governo a prática de mercado das repudiadas subnotificações acidentárias, encaminhou ao Congresso a MP 316 que se converteu na Lei 11.330/2006 e que entrou em vigor no dia 26 de dezembro de 2006.
Do exame do disposto na Lei em comento, dá-se com uma mão e se retira o direito prometido pela adoção do NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) com outro, senão vejamos:
O artigo 1.º da novíssima Lei 11.330/2006 em seu artigo 1.º, dá nova redação a alguns dispositivos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991 (Benefícios), passando a vigorar com as seguintes alterações, acrescentando-se os arts. 21-A e 41-A e dando-se nova redação ao art. 22: ?Art. 21-A?. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.§ 1.º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo. § 2.º A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social?.
Tendo-se em vista que o art. 21-A da Lei 8.213/91, acrescentado pela Lei 1.330/2006, atribui à perícia médica o poder de decisão sobre o A perícia médica continua o ?deus poderoso? a decidir sobre o reconhecimento ou não da incapacitação e respectivo nexo causal, por razão de transparência e segurança do próprio segurado, entendemos que deva a perícia médica inclusive entregar ao segurado não só a conclusão pericial, como sua respectiva justificação da conclusão pericial.
As ferramentas implementadas pelo INSS, há décadas, no nosso entendimento seguem a lógica de beneficiar os interesses da iniciativa privada, uma vez que beneficiam os abusos, fraudes e sub-notificações. Indignados com tal situação, conversamos com alguns peritos do INSS, que foram unânimes em nos afirmar: um benefício, uma vez cadastrado como B 31 (auxílio doença), dificilmente será revertido a B 91 (auxílio doença por acidente de trabalho). Por sua vez, quando um trabalhador chega com uma CAT em uma agência da Previdência (APS) para agendamento de perícia médica, como constatamos diariamente, o administrativo cadastra aquele pleito de benefício como B 31, uma vez que não foi a empresa que abriu o CAT. E já temos relatos de muitos casos que, por ser a CAT de cadastramento mais difícil no sistema, até quando este documento é aberto pela empresa, o INSS está registrando-o como B 31!! Por conseguinte, na perícia médica, o próprio software (que se chama SABI), não permite e transformação diretamente de um B31 para B91, muito embora, por relatos, os peritos cliquem nas opções confirmando que se trata de doença do trabalho, e o resultado final (conclusão da perícia), continuará sendo de doença não relacionada ao trabalho. Desta forma, conclui-se que no que toca ao auxílio-doença comum (B-31), o próprio sistema não permite que o reconhecimento em nova perícia de nexo causal acidentário pelo agravamento ainda presente possa ser convertido de auxílio-doença comum em acidentário, salvo procedimento extremamente complexo e dificultado ou decisão judicial, o que em nosso entender caracteriza abuso de poder, merecendo atuação imediata da Procuradoria do Trabalho e do Ministério Público da União, instaurar inquérito civil público, para instrumentalizar a necessária e moralizante Ação Civil Pública de lei.
Por outro lado, não há ainda também a regulamentação necessária ao cumprimento dos objetivos perseguidos pelo NTEP, assegurando-se efetividade na concessão do benefício auxílio-doença acidentário (B-91), mesmo sem a emissão da CAT, já que permitido o efeito suspensivo do benefício, colocando o trabalhador de volta à situação de abusos, fraudes e conivências, que levaram à aprovação da Lei 11.330/2006, como reconhece a exposição de motivos, quando da edição da MP 316.
É consabido que para a concessão do benefício auxílio-doença acidentário (B91), são necessários o preenchimento de dois quesitos obrigatórios: – a existência da incapacidade e o estabelecimento do nexo causal, seja por critérios epidemiológicos (NTEP); – quando não se tratar de NTEP (caso, por exemplo, ainda de doença profissional, tal como a desenvolvida em condições excepcionais de trabalho e ou mesmo de outras doenças que não sejam significativas do ponto de vista epidemiológico, mas que estão relacionadas ao trabalho, como é o exemplo das PAIR, transtornos da voz relacionados ao trabalho em algumas categorias profissionais, etc), todas catalogadas no novo decreto-regulamentador, n.º 6.042, de 12 de fevereiro de 2007.
Assim, defendemos que o governo deva imediatamente:
– cumprir com seu dever de legislar em favor da cidadania, não se curvando aos interesses espúrios do capital em pretender que a responsabilidade pelos infortúnios seja de responsabilidade apenas do INSS, emitindo norma que vincule o perito ao NTEP para a concessão e ou não dos pedidos de concessão de benefícios auxílio-doença acidentário (B-91).
– proceder a modificações adequadas no sistema eletrônico do INSS de concessão de benefícios, permitindo as possibilidades concretas de conversão de um benefício auxílio-doença comum em acidentário (B-91), acaso a nova perícia venha a reconhecer a permanência das seqüelas e agravames e o respectivo nexo causal, sem emissão da CAT, situação ainda mantida no sistema que não foi alterado, mantendo-se a mesma sistemática do modelo esgotado e alterado pelo NTEP em atendimento ao interesse escuso do capital e ao arrepio da lei.
Apesar da entrada em vigor da Lei 11.330/2006 que instituiu o NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) que autoriza o INSS poder conceder o benefício acidentário mesmo na ausência da emissão da CAT, esta continua sendo uma obrigação principal do empregador, posto que não revogado o art. 22 da Lei 8.213/91.
Examinando-se, portanto, a legislação infortunística adotada pelo Brasil, conclui-se que o empregador não é, portanto, credor, mas devedor de saúde física e mental, devendo responder pelos prejuízos então ocasionados ao infortunado pelo seu descumprimento às medidas de segurança e proteção à saúde do trabalhador e pela extensão do dano, dentre os quais a indenização por dano material e moral, incluindo o estético e a pensão vitalícia.
Conclusão
O governo deve cumprir com seu dever de legislar em favor da cidadania, não se curvando aos interesses espúrios do capital em pretender que a responsabilidade pelos infortúnios seja de responsabilidade apenas do INSS, emitindo norma que vincule o perito ao NTEP para a concessão e ou não dos pedidos de concessão de benefícios auxílio-doença acidentário (B-91).
Também deve readequar o sistema eletrônico, permitindo que um benefício auxílio-doença comum possa ser convertido no benefício acidentário (B-91), acaso a nova perícia venha a reconhecer o agravame ainda presente e o respectivo nexo causal, o que atualmente não é permitido, atendendo-se ao interesse privado, ao arrepio da lei.
Luiz Salvador é presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), secretário Geral da ALAL (www.alal.info), representante Brasileiro no Departamento de Saúde do Trabalhador da Jutra (www.jutra.org), assessor jurídico da Aepetro e da Ativa e membro integrante do corpo técnico do Diap, E-mail: promove@onda.com.br, Site: www.defesadotrabalhador.com.br