Um jovem trabalhador, de boa formação, primário, morador da zona rural, ia para a cidade no final de semana e se embriagava. Para ir para casa, repito, na zona rural pegava a primeira bicicleta e seguia embora, embriagado. Teve sua primeira condenação sendo que, no decorrer daquela ação, cometeu novo delito semelhante. Finalmente, cometeu o terceiro delito, da mesma forma, e aí já era reincidente. À luz do art. 33, sua pena deveria ser cumprida no regime fechado. Entretanto, acreditamos que seria demais e, por isso, o apenamento foi no regime semi-aberto. O ministério público recorreu e a decisão foi mantida, muito embora, como na sentença, houvesse o reconhecimento de se tratar de uma decisão que afrontava o texto legal, mas que era a mais justa. Pois bem, o delito de furto, com certeza, não haverá de sofrer alterações, quer pelo Direito Mínimo, quer pela consideração de crime de somenos. Mas o fato é que situações como essa são comuns, e muito principalmente no interior. E então, a solução será a de se dar o tratamento e essa espécie de “infrator”, o mesmo a ser dado aos verdadeiros “criminosos”. É claro que não será justo. E a dosimetria da pena tem por norte, aquilo que seja necessário e suficiente para reprimir e prevenir o crime e recuperar o criminoso. Bem, se assim o é, alterações realmente necessitam ser feitas. Mas não se pode debitar os erros à Reforma de 84, que adotou o Direito Penal Simbólico. O erro está, em nossa modesta opinião, em dois pontos: A UM:- uma amplitude nos poderes do juiz, desde a fase investigatória, até e principalmente, a fixação da pena, com discrionariedade, formalidade e fundamentação convincente. Isto é, não ter apenas o Ministério Público ou a defesa, até o julgamento, a representativa prática da sociedade ou da parte.
Caberá, também e concorrentemente, ao juiz (ou tribunal), o poder e a obrigação, de ofício, de adotar toda e qualquer medida que seja de competência da parte, tal como a concessão de fiança, independentemente de requerimento da parte (§ único, art. 322, CPP); b) concessão de liberdade provisória, independente de ouvida do Ministério Público (art. 310 e §, CPP); c) obrigatoriedade de concessão de Habeas Corpus (e não faculdade) pelo juiz ou tribunal, quando flagrante a coação (art. 654, § 2.º CPP). A DOIS:- na fixação das penas, ter o julgado o poder de adequar a que seja mais ideal ao réu e à sociedade, de maneira não só fundamentada, mas também convincente; isto é, ter o juiz a obrigação de dizer o porquê daquela decisão, como formação de um livre convencimento, de acordo com o que existir na lei e nos autos, em consonância entre si; b) como já prescrito na Lei de Execução penal, cria-se os instrumentos e as instituições que ali são tidas por necessárias, para efetiva implementação da execução das penas.
Aqui está, ao nosso ver, o maior vilão da falência da pena privativa de liberdade: um texto europeu valorosíssimo, mas paupérrimo quanto à sua aplicação. Numa regra matemática, o processo penal está para o direito penal, assim como o direito penal está para execução da pena. Sim, por óbvio que a interligação entre os institutos são indiscutíveis e devem, como até agora estão, seguir de forma harmônica entre si. Mas não basta apenas a harmonia. É necessário que, na execução de cada uma, haja a correspondência efetiva e real. Isso é, de nada adianta um processo penal correto, a disciplinar a aplicação do direito penal se, quando de sua execução, muito embora e prescrição seja também correta, falta a necessária e exata correspondência. Apenas sem se ter o cumprimento correto da pena, pode ser muito mais prejudicial do que não apenar. A criminologia nos informa sobre criminosos irrecuperáveis, portadores de distúrbios irrecuperáveis, além de outros. A esses, como prescrito na lei de Execução Penal, o ambiente adequado para o cumprimento da pena. Mas também nos aponta caminhos e tratamentos, ambulatoriais em sua maioria, até mesmo para os doentes mentais, obtendo a sua recuperação e reinserção na sociedade. Maior exemplo tem-se nos toxicômanos delinqüentes. E porque, com criminosos comuns (ou mesmo os de alta periculosidade), não se consegue o mesmo? Qual a razão para que aqueles sejam marginalizados nesse universo de positividade na recuperação? Porque o sistema de execução das penas, incluindo-se aí os estabelecimentos penais, são completamente falhos. Veja-se, por exemplo, ainda com os dependentes de substâncias tóxicas ilegais, o que acontece quando a pena deva ser cumprida em regime fechado, por qualquer razão (v.g., reincidência) ou por outro crime a que foi condenado. A Lei 6.368 estabelece a obrigatoriedade de tratamento para esse dependente, em local em que tiver que cumprir a pena privativa. E o que acontece? Estará ele, ainda dependente da droga, cercado pelos promíscuos e delinqüentes, e tudo fará para ter sua porção da droga, para manter seu vício. Pois bem, agora retornamos ao tema central: como regras de Direito Penal Mínima irá alterar as condições que expusemos até agora? Como dizer-se que as leis vigentes, de uma forma em geral, estão erradas, e as futuras, como o projeto mencionado e outros mais, assegurarão a exatidão e correção do que poderíamos denominar de “novos rumos do direito penal” (expressão nada inovadora ou inédita).
É claro que não se está a reclamar a perfeição que utopicamente todos desejam. Mas, concretamente, nenhuma lei ou norma irá alterar os rumos criminológicos sociais, enquanto o contexto global das regras criminais destoar, ainda que de uma pequena parte, da execução final e concreta das regras. É possível, alterar, até, a convivência com as regras do Direito Penal Mínimo, uma vez preparado o Estado e a sociedade (esta através do exemplo observado), para o cumprimento efetivo, integrando e imaculado das execuções que daquele resultarem. Mas há que ser efetiva e segura, disciplinadora e repressiva, punitiva e preventiva, reeducadora e exemplo. Do contrário, a sociedade jamais entenderá como o réu condenado a cinco anos, por crime hediondo (tráfico ou seqüestro, v.g.), sendo primário (circunstância que a sociedade não conhecerá ou não entenderá), poderá estar nas ruas depois de apenas pouco mais de três anos. E se assim for, o risco de se regressar à primitiva fórmula da vingança pessoal ou, da lei de Talião, será plausível. Afinal, estaremos na atualidade tratando do vetusto estudo dos “novos rumos do Direito Penal”.
Ismair Roberto Poloni é juiz de Direito.