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Foi-se o tempo que o direito da propriedade industrial era utilizado apenas como uma ferramenta de defesa de direitos. O cenário atual é outro. O direito da propriedade intelectual se transformou numa verdadeira ferramenta ostensiva de ataque, por meio da qual tem inibido ou, muitas vezes, aniquilado os avanços da concorrência.

Basicamente e sem polemizar, o direito da propriedade intelectual tem como objetivo corrigir uma falha de mercado (teoria da market failure), qual seja, a dispersão do bem imaterial. A ausência de uma restrição de ordem jurídica faz com que o mercado assimile e utilize imediatamente o conhecimento sem que o criador tenha alguma vantagem econômica de sua pesquisa. Surgem assim, as exclusivas (patentes, marcas, direito autoral, etc) conferidas pelo Estado para equilibrar o mercado. Um direito de exclusividade temporária concedida pelo Estado, cuja contraprestação é a livre utilização destas pela sociedade após determinado período, caracterizando aqui, a função social da propriedade.

Entretanto, o que vemos na pratica é a disputa de grandes multinacionais pela compra de patentes, software e outros tipos de exclusivas com o simples propósito de dominar o mercado de atuação; aumentar arbitrariamente os lucros e/ou bloquear os avanços da concorrência.

O Vale do Silício na Califórnia – onde se concentra um complexo de empresas voltadas à área da inovação científica e tecnológica – vive diariamente o drama dessa nova descoberta, aliás, desse novo paradigma. Quanto mais bens imateriais uma empresa adquirir, mais são as possibilidades de infrações cometidas pelos concorrentes por conta do uso não autorizado, mais oportunidades de licenciamento e mais oportunidade de expandir os negócios sem infringir direitos alheios. Ou seja, aumentam-se as chances de comandar as regras do jogo.

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E quanto maior o poder de fogo, maior será o eventual abuso cometido pelos titulares por meio de práticas e medidas que, supostamente, violariam o direito antitruste regulado no Brasil pela Lei Nº 8884/1994, tais como a litigância predatória (sham litigation), consórcio de patentes (patent pools), licenciamento cruzado de blocking patents, dentre outros.

O problema atual reside na inversão do animus possidendi (intenção de possuir) dos titulares dessas exclusivas. Até então, recorria-se ao Estado com o simples fito de obter uma proteção da sua criação frente a terceiros e obter um “lead time” para obter o retorno dos investimentos gastos, em um mecanismo de defesa.

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Agora o que se vê crescente é o número de empresas em busca da expansão de sua carteira de direitos imateriais com o objetivo de inibir os avanços tecnológicos de concorrentes para alcançar o “Olimpo” da exclusividade de um mercado relevante. Mecanismo de ataque!

Assim, acordos que prejudicam o funcionamento do mercado com a proliferação de restrições potencialmente anticompetitivas devem ser, de alguma forma, monitorados, controlados e, muito das vezes, coibidos, a fim de garantir e zelar pela segurança econômica e jurídica do país, sem afetar, é claro, a inovação tecnológica.

Infelizmente, o Brasil ainda não possui uma política de concorrência sólida em matéria de exercício de direito da propriedade industrial, diferentemente dos Estados Unidos, que possui hoje um sistema jurídico seguro no tocante a essa matéria.

Em razão disso, os órgãos reguladores da concorrência (CADE, SEAE e SDE) devem urgentemente acompanhar esse mudança de paradigma da propriedade intelectual estabelecendo normas e critérios de defesa de concorrência como instrumento de controle social da propriedade industrial, tendo sempre a preocupação de não subverter os avanços da inovação tecnológica.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o Departamento de Justiça e a Comissão Federal de Comércio promulgaram na década de 90 diretrizes antitrustes para o licenciamento de Propriedade Intelectual que estabeleceram critérios e princípios a serem seguidos quando da análise das condutas empresariais para aferição de eventuais abusos e infração à ordem econômica.

No Brasil, apesar de não ser oficial, a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), em 2005, tomou a iniciativa de criar um documento denominado “Diretrizes para exame de contratos de transferência de tecnologia e licenciamento de direitos da propriedade intelectual sob uma perspectiva do direito antitruste”. De acordo com esse órgão, tais diretrizes delineiam critérios básicos para exame dos contratos de transferência de tecnologia e de propriedade intelectual e identificam elementos jurídicos e econômicos que devem ser relevados pelos examinadores ou conselheiros dos órgãos da concorrência, no momento da averiguação desses contratos sob a perspectiva antitruste.

Muito temos que percorrer para criação de um ordenamento jurídico seguro capaz de controlar essa nova mudança no cenário econômico. Em vista disso, titulares de ativos de propriedade intelectual devem ficar especialmente atentos às formas como adquirem e exploram seus direitos, para que não haja violação no âmbito antitruste, devendo sempre ter atenção em não ultrapassar a tênue linha entre a licitude e a ilicitude.

A busca do equilíbrio é a chave do sucesso para o avanço e desenvolvimento econômico e tecnológico de nosso país. A concorrência deve existir desde que não desvirtue o direito.

Cristiane Ruiz de Moraes Vianna é advogada, sócia no Escritório Daniel Advogados. cristiane.vianna@daniel.adv.br