A consolidação das regras gerais dos esportes, no Brasil, veio com a lei Pelé (Lei 9.615/l998).
Para combater a violência, a baderna e o vandalismo nos estádios o legislador criou, em 2003, o Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003).
Nenhuma política séria de prevenção foi instituída concomitantemente. Consequência: a insegurança aumentou e a violência não diminuiu. Para “resolver” o problema, uma nova lei (“novo estatuto do torcedor” – Lei 12.299/2010) que, atendendo os apelos populares e midiáticos, criminalizou várias condutas (a dos cambistas, por exemplo) e incrementou a pena de vários crimes.
As mortes e selvagerias incontáveis (sobretudo aquela dos torcedores do Coritiba, no final de 2009) geraram emocionadas demandas populares de mais punição. Os meios de comunicação bem sabem hiperdramatizar a violência.
O legislador brasileiro, que é muito sensível a esse tipo de demanda e de pressão, sobretudo diante de cada emergência penal, em lugar de incentivar uma séria política de prevenção da violência, aciona sua “fábrica de leis”, que é em regra emocional, irracional e desproporcional, “vendendo-as” como “remédio” para o problema.
Me bate mais que eu gosto de apanhar! O povo pede, a mídia exige, o legislador atende. A nova lei, afora suas aberrações e simbolismos, sendo mais um fruto do populismo penal brasileiro, na medida em que não veio acompanhada de medidas preventivas concretas, constitui mais uma deslavada enganação, que vive da exploração da crença popular de que mais leis punitivas é a solução “definitiva” para os problemas da insegurança.
De 1940 (ano do nosso Código Penal) a 30.06.09, conforme tese de doutoramento apresentada por Luís Wanderley Gazoto (UnB, 2010), o Congresso Nacional brasileiro aprovou 122 leis penais, sendo 80,3% de leis punitivistas (agravadoras da sanção penal), 12,3% de leis benéficas ao infrator e 7,4% indiferentes.
Algumas penas foram quintuplicadas, sextuplicadas ou octuplicadas. Na 53.ª legislatura da Câmara dos Deputados (de janeiro de 2007 a 30/06/09) foram apresentados 308 projetos, sendo 95% punitivistas (incremento das penas).
Na 52.ª e 53.ª legislaturas do Senado Federal (de janeiro de 2003 a 30.06.09) foram apresentados 172 projetos, sendo 97% punitivistas. É só isso o que o legislador brasileiro sabe fazer: endurecer cada vez o sistema penal, prometendo sempre o “remédio certo”.
Quando, depois de um certo tempo, se constata que o “remédio” anterior não funcionou, diante das novas demandas de mais punição, de mais rigor, o legislador solta do seu arsenal punitivo (da sua fábrica) mais uma batelada de leis, prometendo (novamente) que agora o problema (da insegurança) será definitivamente “solucionado”.
É a clássica política do “more and more of the same”, ou seja, mais e mais do mesmo “remédio” milagroso que, desacompanhado de medidas preventivas concretas, não passa de uma nova “enganação”.
De enganação e enganação os legisladores vão vivendo e se reelegendo e o povo e a mídia continuam frustrados pedindo mais leis duras. Com isso as medidas preventivas concretas (que significa gastos e responsabilidade) vão sendo adiadas eternamente. E o povo que se “dane” com a violência “deles” de cada dia.
Art. 39. O torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores ficará impedido de comparecer às proximidades, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a um ano, de acordo com a gravidade da conduta, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
§ 1.º Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de cinco mil metros ao redor do local de realização do evento esportivo.
§ 2.º A verificação do mau torcedor deverá ser feita pela sua conduta no evento esportivo ou por Boletins de Ocorrências Policiais lavrados. § 3.º A apenação se dará por sentença dos juizados especiais criminais e deverá ser provocada pelo Ministério Público, pela polícia judici&aacu,te;ria, por qualquer autoridade, pelo mando do evento esportivo ou por qualquer torcedor partícipe, mediante representação.
Art. 40. A defesa dos interesses e direitos dos torcedores em juízo observará, no que couber, a mesma disciplina da defesa dos consumidores em juízo de que trata o Título III da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Art. 41. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a defesa do torcedor, e, com a finalidade de fiscalizar o cumprimento do disposto nesta Lei, poderão:
I – constituir órgão especializado de defesa do torcedor; ou
II – atribuir a promoção e defesa do torcedor aos órgãos de defesa do consumidor.
Em 15 de maio de 2003, o presidente Lula sancionou a lei que prometia estabelecer “normas de proteção e defesa ao torcedor”, assim escrita no artigo primeiro. Mas, nos 7 anos que se passaram até a mudança de anteontem, muita coisa de errada ocorreu? Com ou sem punição.
As modificações que já entraram em ação ontem preveem principalmente um cerco aos baderneiros nas praças esportivas. O Estatuto do Torcedor, porém, também fala em penalidades à entidades e dirigentes.
Parece básico, mas está na lei: “O torcedor partícipe tem direito à higiene e à qualidade das instalações físicas dos estádios e dos produtos alimentícios vendidos no local”, é um dos artigos. Infelizmente não é o que se vê pelo País afora.
E a superlotação? Na partida entre Santos e Santo André, na final do Estadual deste ano, ficou claro que havia mais público do que o Pacaembu permite? Muitos santistas ficaram em pé nas escadas e a numeração na arquibancada não foi respeitada.
No ano passado, aliás, o Democrata teve seu estádio interditado por 90 dias pelo mesmo motivo? O Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais puniu o clube pelo excesso de torcedores na partida contra o Atlético. Um exemplo que deveria ser seguida em todo o País.
Há dois anos, a Federação mato-grossense de Futebol feriu o Estatuto ao escolher o árbitro da final da competição estadual. Pela Lei, é preciso sorteio. Apesar da obrigação a divulgar renda e público das partidas, muitas vezes não se sabe quantos torcedores compareceram aos estádios.
É só checar os sites das federações para comprovar: há muita coisa em branco. No ano passado, o Corinthians também infringiu a lei ao vender ingressos no clássico contra o Santos com diferentes valores para o mesmo setor. Depois, o clube anunciou que devolveria a diferença para quem havia pagado mais caro.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, diretor-presidente da Rede de Ensino LFG e co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). www.twitter.com/ProfessorLFG. www.blogdolfg.com.br