O casamento nos códigos civis brasileiros desde 1916 até 10 de janeiro deste ano de 2003 (até quando teve vigência o antigo Código) teve tratamento assaz diferenciado. No anterior, o casamento era tão-somente um contrato criador da família “legítima” e priorizava aspectos materiais, guardando resquícios dos tempos em que o matrimônio era um verdadeiro “negócio”. Também nele se observavam normas discriminatórias à mulher, a ponto do marido poder anular o casamento por desconhecer a falta de virgindade da mulher!
No novo estatuto, o direito de família se divide em direitos pessoais, de parentesco e patrimoniais, estabelecendo um título específico para união estável. O primeiro artigo sobre o tema dá bem a dimensão do espírito legislativo: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Inova ao proibir, no artigo 1513: “a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão da vida instituída pela família.ª O homem deixa de ser um “chefe”, pois pelo artigo 1565: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”.
Também o direito ao uso do sobrenome (que pela tradição brasileira entendia-se como dever da mulher até 1977) passou a ser de ambos e a direção da sociedade conjugal também será exercida pelos dois, em igualdade.
A Constituição Federal de 1988 já havia proscrito as diferenças de marido e mulher na sociedade conjugal, mas o Código ainda mantinha a antiga redação.
No artigo 1566, passam a ser deveres de ambos os cônjuges, além dos já elencados pelo código anterior, a saber: fidelidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; e sustento, guarda e educação dos filhos, também agora o de respeito e consideração mútuos.
O Novo Código estabelece o que pode caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida, para fins de separação litigiosa: adultério; tentativa de morte; sevícia (lesões corporais) ou injúria grave; abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; condenação por crime infamante; conduta desonrosa, mas a norma sabiamente não limitou apenas a esses casos a caracterização, pois no parágrafo único dispõe: “O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”.
Quanto aos filhos, embora o artigo 1597 tenha presumido como concebidos na constância do casamento, também os bebês de proveta, “havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; – e os havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; como também os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde tenha prévia autorização do marido (o chamado Adultério Casto), deixou de regulamentar as crianças geradas nas chamadas “barrigas de aluguel e os clonados”. Assim, ainda não há norma que os regulamente o que trará grandes perplexidades.
Também extinto o vetusto “pátrio poder” do revogado código, substituído que foi pelo agora “poder familiar”, exercido pelos pais, também em igualdade.
Outra discriminação que foi suprimida diz respeito à da idade da mulher para o regime obrigatório de separação de bens, que antes era de cinqüenta anos para gênero feminino e sessenta para o masculino, tendo passado a ser para ambos a idade de sessenta anos. O texto, contudo, continua trazendo real preconceito contra os idosos, pois deveria ser reconhecido pela lei, que qualquer pessoa com sessenta anos tem plena capacidade intelectual e discernimento para poder escolher qual regime de bens desejam, diante do que deveria ser extinta tal regra.
No que tange aos alimentos, as mais polêmicas das novas normas parecem ser o § 2.º do artigo 1694 e o artigo 1702, sendo que do primeiro, consta no § 2.º: “Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia”. É que o artigo 1576 se refere sobre a Separação Judicial, pondo termo apenas aos deveres de coabitação e fidelidade (e não de mútua assistência). Assim, a princípio, o código entendeu serem devidos alimentos, mesmo ao cônjuge ou companheiro que sejam considerados culpados pelo rompimento do vínculo!
O código manteve o sistema de “culpa” pelas separações, em vários artigos tanto que no artigo 1702 fala em cônjuge “inocente” (tendo direito à pensão) e no parágrafo único, “se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-lo, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência”, regra totalmente inovadora e de conteúdo demasiadamente assistencial, retrógado, paternalista e injusto, pois como se sentirá alguém traído, vítima de lesões ou de tentativa de morte, e ainda tiver que pagar pensionamento para seu algoz?
Também fez acréscimos à lei 9278/96, que se refere `a união estável’. A redação dos artigos sobre este tema faz concluir reconhecível como entidade familiar, também o de pessoas casadas que se achem separadas de fato, pondo fim às discussões sobre o assunto.
Igualmente inova o código em estabelecer para a união estável o dever de lealdade e deixa clara a diferença entre companheiro e concubino, dispondo o artigo 1727, “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.
É o caso dos chamados “amantes” – pessoas que continuam casadas e vivendo com os cônjuges, mas que mantêm um relacionamento fora do lar. Muitos questionamentos virão quando litigarem tais pessoas na obtenção de direitos patrimoniais!
Mas a evolução é palpável no campo filosófico quando dispõe ser o casamento uma comunhão plena de vida, com base na igualdade.
Nas sábias palavras de Eduardo de Oliveira Leite, já em 1991: “Numa relação centrada no amor, e não na hierarquia; no afeto, e não na dominação prepotente; na verdade das intenções, e não na permissividade irresponsável, o que predomina é a igualdade.(…) os novos casais só aceitam como satisfatórias as relações fundadas sobre a reciprocidade e a igualdade, sobre a intensidade dos sentimentos e a veracidade dos propósitos.ª Para esta realidade o novo Código Civil atentou.
Mas, no Direito de Família, se de um lado houve considerável evolução filosófica, as alterações não alcançaram algumas questões científicas e morais, nas quais o legislador foi tímido em temas mais polêmicos, perdendo a oportunidade de normatizar a “barriga de aluguel” (maternidade de substituição – quando existem, dezenas de clínicas de fertilização e resolução do Conselho Federal de Medicina a respeito), “bebês clonados” e, ao menos, os aspectos patrimoniais das uniões homoeróticas, isso sem falar na guarda compartilhada dos filhos.
Espera-se que não seja necessário mais um século para que tais mudanças venham a ser feitas já que este Código já nasce desatualizado.
Margareth Zanardini
é advogada em Curitiba. margareth@brturbo.com