Prossegue a novela Renan. Com o devido respeito à presidência do Senado, porém mantendo a natural irreverência brasileira e a identificação de similitudes evidentes, podemos dizer que o principal protagonista dessa estória figura como um galã que não se submete à vontade do público, que considera maniqueísta. Ele, Renan Calheiros, continua fiel à vocação romântica que se firmou com o papel principal no caso de amor perigoso com uma jornalista, o nascimento de uma filha e a assunção, ao mesmo tempo, da honrosa condição de presidente do Senado e rei do gado. O primeiro papel ele não larga. Considera-se um protagonista insubstituível, além de achar que a conquista do cargo, pelo voto, lhe dá perdão para todos os pecados e autoridade para dirigir os senadores como se fossem seus funcionários. Ou marionetes.
Mas o último capítulo, que não deve ser o derradeiro, ocorreu nesta última terça-feira, depois de lances emocionantes nas gestões de procrastinação da apreciação do seu caso no Conselho de Ética. Entendia o senador presidente que sendo ele o galã todo-poderoso, nem deveria ser julgado e seu processo sequer encaminhado. Queria tudo engavetado. Na semana anterior, havia tentado o golpe do adiamento para que nesta semana, quando os senadores partem para as férias de julho, tudo ficasse para as calendas de agosto, com a esperança de que até então o caso fosse esquecido.
A reunião marcada para a decisão sobre o prosseguimento ou não do processo acabou acontecendo. A mesa diretora do Senado, sob o comando do vice-presidente Tião Viana (PT) e sob a vigilância de um pelotão oposicionista de plantão para evitar novas procrastinações, chegou a uma decisão: ?A mesa decide acolher solicitação do Conselho de Ética e remetê-la (a perícia dos documentos de defesa apresentados por Renan, que estão sob suspeita) ao ministro da Justiça para cumprimento de estrita norma constitucional?, disse Tião Viana. Assim, foi tudo para a Polícia Federal.
Rememoremos o caso Renan: o senador alagoano, presidente do Senado, foi alvo de denúncia de que pagou pensão alimentícia a uma jornalista com a qual tivera ?um caso?, apesar de ser casado. E dessa união extraconjugal nasceu uma filha, criança que certamente tem direito à pensão. Mas acontece que a pensão era entregue, geralmente em dinheiro vivo, por um lobista de uma construtora que tinha e tem negócios com o governo federal, com governos estaduais e especialmente com o Estado de Alagoas, terra do senador Calheiros. Evidentemente, houve suspeita de que o dinheiro, e não só o pagador, era da construtora. O caso agravou-se porque, ao invés de deixar a presidência do Senado para que seu caso fosse examinado e julgado pelo Conselho de Ética, Renan decidiu ficar no trono e, de lá, acompanhar e não raro influenciar o andamento das investigações.
O indiciado e presidente do Senado certamente não queria o envio da documentação que apresentou em sua defesa, e que preliminarmente já foi considerada cheia de incongruências, à Polícia Federal. Criticou esse encaminhamento expressamente. Nesse sentido, chegou a mandar ofício ao procurador-geral da República. Agora, com a decisão tomada, o ministro da Justiça mandou a papelada para a Polícia Federal. E os resultados das investigações e perícias dirão se os documentos são verdadeiros ou falsos e se servem como provas absolutórias. Não é de se desejar que comprovem a maracutaia, mas o certo é que a novela ainda não acabou. Terá um ?grand finale? em agosto ou depois, quando a turma do bem poderá vencer. Ou então, como nas novelas, poderá haver uma surpresa. O galã, que sempre posou de culpado, poderá aparecer como inocente.