A questão da nova maioridade civil e suas repercussões penais foi abordada por mim em um outro trabalho (mais amplo) que se encontra publicado no www.iusnet.com.br. Resumidamente seus aspectos mais salientes são os que seguem.
Não há dúvida que o novo parâmetro etário para fins civis (dezoito anos – art. 5.º) conduz a repensar, como pioneiramente fez Marcus Vinicius de Viveiros Dias (in www.ielf.com.br, 10.1.03), vários institutos (e dispositivos legais) no âmbito criminal. Mas é preciso fazer uma série de distinções:
(a) contra o acusado, no âmbito do Direito penal, nenhuma repercussão acontecerá. Note-se que a maioridade penal há décadas já está fixada no patamar dos dezoito anos (CP, art. 27; CF, art. 228). Ambas as maioridades (civil e penal), agora, acham-se niveladas.
Não se nega a existência de dispositivos penais que beneficiam o menor de 21 anos. Assim, por exemplo, o art. 65, I (menoridade como atenuante) e o art. 115 do Código Penal (precrição pela metade). Mas esses diplomas legais não encontram sua razão de ser na capacidade de autodeterminação do agente, na sua capacidade para a prática de atos civis, de discernimento etc.
A fundamentação deles reside na imaturidade do agente menor de 21 anos para suportar, em igualdade de condições com o deliqüente adulto, os rigores de uma condenação penal (RT 601, p. 348 e ss.). A diminuição da pena em favor do réu menor de 21 anos faz parte, portanto, do processo de individualização da pena, exigido pela Constituição Federal (art. 5.º, inc. XLVI), que concebe que os menores de 21 anos devem ficar separados dos demais condenados, que sua pena deve ser menor, que sua influenciabilidade frente aos adultos é mais intensa, que seu prazo prescricional deve ser menor etc.
O centro (leia-se: o eixo) dos dispositivos penais citados, assim, não reside na capacidade do ser humano de praticar atos civis, senão na necessidade imperiosa de individualizar o mais possível a aplicação e execução da pena, sobretudo a de prisão. Por essa razão, o novo Código civil, nesse ponto, nenhuma repercussão tem.
(b) Direito processual penal: incontáveis são os dispositivos processuais penais que conferiam ao réu menor de 21 anos o status de relativamente incapaz (leia-se: segundo a visão do CPP de 1941, o acusado ou a vítima com menos de 21 anos não tinha plena capacidade para praticar os atos da vida civil ou mesmo atos processuais penais): CPP, art. 15 (curador do indiciado menor), art. 34 (dupla titularidade do direito de queixa), art. 50 (renúncia ao direito de queixa por menor de 21 anos) etc.
Todos os dispositivos processuais penais que enfocavam o menor de 21 anos como relativamente capaz foram afetados pelo novo Código civil. Todos têm por base a capacidade do ser humano para praticar atos civis e, por conseguinte, processuais. Para o novo Código civil essa capacidade é plena aos 18 anos. Logo, todos os artigos citados acham-se revogados ou derrogados (lei nova que disciplina um determinado assunto revoga ou derroga a anterior).
Particularmente no que se refere à nomeação de curador ao indiciado ou acusado menor: acabou essa necessidade. Perdeu todo sentido, ademais, falar em nulidade do interrogatório quando feito sem a presença de curador. Nada disso mais tem sentido diante do novo Código civil. Tampouco cabe falar em dupla titularidade no direito de queixa quando a vítima tem entre 18 e 21 anos.
A matéria aqui enfocada é puramente processual. Lei processual tem aplicação imediata (CPP, art. 2º). No caso de representação oferecida (até 10. 1.03) por representante legal da vítima entre 18 e 21 anos: sua validade é incontestável. Tempus regit actum (o ato terá sido praticado sob a regência da lei do seu tempo).
(c) aumento de pena previsto no art. 18, III, da Lei 6.368/76: prevê esse dispositivo legal o aumento pena do traficante quando o tráfico visa a menores de 21 anos. O fundamento dessa causa de aumento de pena é a relativa capacidade da pessoa para praticar os atos da vida civil antes dos 21 anos. Logo, foi afetada pelo novo Código civil. Onde se lê 21 anos leia-se, agora, 18 anos. Nesse ponto a lei nova é mais favorável ao réu. Logo, é retroativa.
Luiz Flávio Gomes (falecom@luizflaviogomes.com.br). Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, co-fundador e 1.º presidente do IBCCRIM e coordenador geral dos cursos Prima-Ielf (cursos ao vivo e via satélite por tv digital para todo país –
www.ielf.com.br).