Nova Lei de Tóxicos VII

Do novo conceito de drogas

A lei anterior conceituava como produtos ou substâncias tóxicas aquelas capazes de gerar dependência física ou psíquica ao usuário, sendo esta nomenclatura utilizada em todos os momentos em que a norma fazia referência a esta modalidade de droga.

Já a nova lei antitóxico utilizou, para conceituar tais produtos ou substâncias, simplesmente o termo ?droga?, a qual é o gênero, do qual, produtos, substâncias, psicotrópicos, precursores etc. são a espécie.

Até mesmo uma aspirina é considerada conceitualmente droga pela farmacologia, razão pela qual é imprescindível que façamos uma separação entre o ?joio e o trigo?, para que possamos definir quais são as drogas contempladas nesta lei e quais ficam a sua margem.

A nova lei antidrogas, já no seu art. 1.º, procurou conceituar e definir o alcance do termo ?droga? por ela utilizado, ficando assim expressamente assentado no parágrafo único deste dispositivo: ?Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União?.

Na definição deste dispositivo, são necessários, para configurar drogas, alguns requisitos.

O primeiro, que as substâncias ou produtos sejam capazes de causar dependência ao usuário, não indicando a modalidade de dependência, se física, psíquica ou outra.

O segundo está relacionado com a especificação das substâncias ou produtos em lei ou que estejam relacionadas em listas emanadas do Poder Executivo da União.

Atualmente esta relação encontra-se contemplada em Portaria expedida pelo Ministério da Saúde, tendo sido ela encampada expressamente pela nova lei, nos seguintes termos postos no art. 66: ?Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1.º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS 344, de 12.05.1998?.

Veja-se que, na relação dos produtos e substâncias elencados na referida Portaria, cuida-se de normatização provisória, haja vista que esta norma expressamente deixou consignado que, para fins da lei ora em estudo, são consideradas drogas as substâncias relacionadas na referida norma, ?até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito?.

Assim, é possível que a qualquer momento outra norma atualize a lista dos produtos que são conceituados como droga, seja para incluir novas modalidades, seja para excluir algumas já relacionadas.

Analisando os dois dispositivos ora estudados e atrás transcritos, verificamos algumas circunstâncias que podem gerar confusão no momento de interpretação desta lei.

A primeira está relacionada com o fato de que o art. 1.º, parágrafo único, diz que ?consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência?, enquanto no art. 66 está previsto que ?denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial?. Veja-se que, neste momento, a norma conceitua como droga apenas substâncias, deixando de lado a indicação de produtos.

Diante desta contradição, para facilitar a interpretação da norma, pensamos que o melhor caminho a seguir é a conceituação dos termos ?produto? e ?substância?.

Produzir é gerar; criar; dar lugar ao aparecimento; etc., enquanto produto é o efeito de produzir; resultado da produção; coisa produzida etc.

Substância é aquilo que subsiste por si; essência; natureza de uma coisa; matéria de um corpo que se compõe etc.

Portanto, extrai-se dos conceitos atrás postos que produto é a espécie da qual substância é o gênero, estando aquela contida nesta, o que indica não haver diminuição no alcance do art. 66 em relação ao art. 1.º, parágrafo único, por aquele apenas fazer referência expressa à substância, haja vista que nele está embutido o conceito de produto, havendo mera redundância na previsão contida no primeiro dispositivo da norma.

A segunda refere-se ao disposto no art. 1.º, no momento em que prevê que as drogas serão especificadas em lei ou relacionadas em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União, enquanto o art. 66 reza que se denominam drogas as substâncias relacionadas na Portaria 344/98 da Secretaria de Vigilância Sanitária, vinculada ao Ministério da Saúde.

De diferente entre os dois dispositivos legais ora em estudo verificamos que, pelo art. 1.º, a relação das substâncias pode ser editada através de lei ou por ato de qualquer outro órgão do Poder Executivo; para o segundo dispositivo legal, apenas o Ministério da Saúde, e nem mesmo a lei, pode elaborar a lista das substâncias que são consideradas drogas.

Neste particular, resta desfeita a possibilidade de contradição em face das razões atrás apontadas, haja vista que o art. 66 é expresso no sentido de que a relação por ele referida é provisória, vigendo ?até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito?.

Ainda objetivando definir exatamente o que o legislador pretendeu conceituar como droga, faz-se necessário observar que, no art. 1.º, parágrafo único, consideram-se como drogas ?as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência?, enquanto no art. 66 restou expressamente consignado que ?denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras?, além daquelas relacionadas na Portaria 344/98.

Diante deste quadro, procuramos fazer uma interpretação sistemática destes dispositivos legais, respeitando o princípio de que a lei penal deve ser sempre interpretada em favor do acusado. Pensamos que se deva fazer uma análise conjunta destes normativos, e que ela nos leva à conclusão de que são consideradas drogas as substâncias entorpecentes e psicotrópicas que tenham capacidade para causar dependência, além daquelas relacionadas na Portaria 344/98, ainda que não possuam esta qualidade.

Deixamos de fora desta análise as substâncias precursoras, previstos na norma, porque substâncias precursoras são aquelas que dão origem a uma droga. V.g., a folha de coca é a substância precursora da cocaína; logo, o seu plantio é controlado. Ou, a metaanfetamina é uma substância psicotrópica precursora da anfetamina etc. Precursoras são, pois, espécies das quais substância é o gênero.

A lei ora em estudo inova também quando se vale da Convenção de Viena, do ano de 1971, ratificada pelo governo brasileiro, a qual regulamentou matéria relacionada com substância psicotrópica, a fim de fixar a proibição. Está previsto na norma em análise que:

Art. 2.º. Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.

Agora precisamos interpretar este dispositivo conjuntamente com os outros dois atrás analisados, para novamente buscarmos alcançar o conceito de droga.

De imediato, há que se observar o alcance deste dispositivo, o qual contempla apenas as substâncias psicotrópicas.

Verifica-se que a previsão no sentido de se proibir as drogas que possuam substâncias psicotrópicas, tal qual fez o dispositivo legal citado, o art. 66 tratou desta questão com precisão.

Apesar desta aparente redundância, pensamos que, tendo o legislador encampado expressamente a citada convenção, além de conferir indicação expressa de quais substâncias devem ser consideradas psicotrópicas, segundo as quatro listas nela contempladas, também facilita a interpretação de inúmeras outras questões que se encontram nubulosas na norma em estudo, haja vista que ela discorre e conceitua inúmeras matérias relacionadas com drogas.

De outra feita, observa-se que a Convenção de Viena, já no seu artigo primeiro, letra ?e?, diz que ?substância psicotrópica? significa qualquer substância, natural ou sintética, ou qualquer material relacionado nas listas I, II, III ou IV.

Portanto, este próprio normativo não exclui do conceito de substância psicotrópica aquelas que não se encontram relacionadas nas listas atrás referidas.

Em face da forma minuciosa como a referida convenção tratou das matérias que envolvem droga, tomamos a liberdade de transcrever a sua íntegra ao final do presente trabalho, porquanto pensamos que ela será muito útil para interpretação da norma ora analisada, nos seus mais diversos aspectos.

Como conclusão à presente abordagem, deixamos assentado a importância desta conceituação e delimitação do alcance da nova Lei de Tóxicos quanto às substâncias que devem ser consideradas drogas, haja vista a importância desta definição, porque são elas que definem a materialidade desta modalidade de crime, sem a qual não é possível sequer se falar em ilícito penal.

Finalmente, pela análise atrás levada a efeito, concluímos que, para a lei em estudo, são consideradas drogas todas as substâncias que tenham capacidade de gerar dependência, independentemente de estarem elas relacionadas nas listas da Portaria 344/98 do Ministério da Saúde ou na Convenção de Viena antes analisada.

Jorge Vicente Silva é advogado, professor de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Superior da Advocacia da OAB/PR, pós-graduado em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá. Já nas livrarias, Comentários à Nova Lei Antidrogas -Manual Prático. E-mail: jorgevicentesilva @jorgevicentesilva.com.br, Site jorgevicentesilva.com.br

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