Da Tipificação da Conduta

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A lei anterior exige que a autoridade policial fundamente a classificação do delito, prevendo, no seu art. 37, que para efeito de caracterização dos crimes definidos nesta Lei, a autoridade atenderá à natureza e à quantidade de substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação criminosa, às circunstâncias da prisão,bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Parágrafo único. A autoridade deverá justificar, em despacho fundamentado, as razões que a levaram à classificação legal do fato, mencionando concretamente as circunstâncias referidas neste artigo, sem prejuízo de posterior alteração da classificação pelo Ministério Público ou pelo juiz.

Portanto, pelo teor deste dispositivo legal, a autoridade policial necessitava fundamentar a classificação do crime de tóxico, especialmente nos casos de prisão em flagrante.

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A norma em comento não prevê providência neste sentido, limitando-se a dizer que ?para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente?. (art. 28, § 2.º)

Portanto, pela previsão expressa nesta lei, apenas o juiz deveria classificar a finalidade da droga encontrada com o acusado, o que não é possível admitir, porque neste caso todos os infratores flagrados em condutas capazes de ensejar o crime de tráfico deveriam submeter-se apenas ao crivo da autoridade judiciária para fins de classificação do crime.

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Por isso, pensamos que, na previsão atrás vista, quando se lê ?juiz?, leia-se ?autoridade?, tanto o delegado quanto aquele que flagra o agente na prática do crime, como o Ministério Público, para fins de oferecimento de proposta ou denúncia, e Juiz, estando todos eles submissos às previsões deste dispositivo.

Veja-se a necessidade de ser interpretado que esta previsão destina-se a todas estas autoridades, e não apenas ao juiz, como expressamente restou consignado.

Precisa ela ser observada pelo agente policial, quando flagra o infrator na prática das condutas que configuram crimes de tráfico e outros afins e também infração contemplada como delito de consumo pessoal de droga, haja vista que, conforme for a modalidade de crime, será o procedimento adotado em relação ao agente.

No caso de crime de tráfico, o infrator será preso pelo agente policial, ou qualquer do povo, e encaminhado à autoridade policial competente para lavratura do auto de prisão em flagrante. Se for o caso de infração relacionada com o consumo pessoal de drogas, o agente será encaminhado ao juízo competente, ou na falta deste, assumirá perante a autoridade policial o compromisso de comparecer aos atos do processo, sendo após liberado.

A autoridade policial, quando recebe o agente flagrado nas condições de tráfico de drogas e condutas afins ou uso de drogas, deverá fazer a análise das circunstâncias, a fim de aferir tratar-se de infração de consumo pessoal de drogas ou de tráfico e outros assemelhados, e, conforme for a sua conclusão, lavrará o auto de prisão em flagrante ou apenas tomará o compromisso do infrator, remetendo os autos de inquérito ao juízo criminal competente ou ao juizado especial criminal, conforme for a classificação dada.

O Ministério Público, independentemente da classificação dada pela autoridade policial, deverá fazer o seu juízo de valor sobre o caso concreto, para fins de fixar a sua classificação da infração praticada pelo agente.

Caso conclua pela conduta de uso de drogas, deverá apresentar proposta nos moldes do art. 28, caput, da lei em comento, pronunciando-se pela soltura do acusado, caso este se encontre preso pela lavratura do auto de prisão em flagrante, em face da classificação dada pela autoridade policial. Concluindo pela pratica do crime de tráfico ou outros afins, oferecerá denúncia neste tipo penal.

O juiz, no caso de concluir tratar-se de infração de consumo pessoal de drogas, caso o infrator se encontre preso em face da classificação dada pela autoridade policial, deverá relaxar a prisão, colocando o autuado em liberdade, tomando-lhe o compromisso de comparecer para o ato de transação penal, remetendo os autos ao juizado especial criminal.

No caso da conduta do agente estar classificada no tipo de droga ou afins e tendo a autoridade policial dado classificação como sendo conduta para consumo próprio, poderá, uma vez presentes os requisitos, decretar a prisão preventiva do infrator, caso tenha competência, ou proceder à remessa dos autos ao juízo competente para fins de que seja processado por esta modalidade de crime.

Neste momento, estamos abordando apenas a classificação provisória, no momento ou logo após o infrator ser flagrado praticando estas modalidades de crimes, sendo a classificação definitiva abordada em capítulo próprio, mais adiante.

É preciso ainda fazer uma análise dos elementos e circunstâncias que devem ser aferidas para fins de concluir se a droga se destinava para consumo pessoal ou para comércio, conforme vimos, por todas as autoridade públicas envolvidas com este tipo de infração penal.

Reza o dispositivo em comento que a autoridade deverá considerar a natureza e a quantidade da substância apreendida, para determinar destinar-se ao consumo pessoal, ou não.

A natureza e quantidade devem tem uma única finalidade, que é a de aferir se é possível o usuário solitariamente consumir, em curto espaço de tempo, toda a droga apreendida. Somente o caso concreto poderá definir esta classificação, não sendo possível atribuir-se parâmetros fixos, seja em relação à quantidade da droga, seja em relação à qualidade. Tanto é assim que, em determinado caso, o infrator teve desclassificada a conduta de tráfico pela qual foi denunciado, porque transportava aproximadamente três quilos de Canabis sativa lineu (maconha) perto da fronteira, para uso pessoal, haja vista que, no país vizinho, a ?safra? desta planta tinha sido enorme e o quilo desta droga custava menos de cem reais, e o autuado jurava que em razão deste preço adquirira toda aquela quantidade para seu consumo pessoal, e não havia prova razoável em sentido contrário.

Também pequena quantidade de droga, ainda que de pequeno teor alucinógeno, não descarta, por si só, a prática de tráfico. Somente no caso concreto poderá ficar mais clareada esta delimitação.

Quanto ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, deve a autoridade, no caso concreto, verificar se o agente se encontrava em situação que permitia concluir que a droga era para uso pessoal. Ou seja, se foi flagrado em seu ambiente, seja familiar ou do trabalho, portando droga e não havendo outros elementos que levem à conclusão de que se destinava a terceiros, conclui-se que era para uso pessoal. De outra feita, ainda que seja pequena a quantidade e baixa a qualidade da droga, sendo o agente encontrado portando-a em locais públicos, e especialmente onde há consumo de droga, a conclusão pode ser de que se trata de tráfico.

As circunstâncias sociais e pessoais previstas na norma como causas a serem consideradas para fins de classificação da infração, certamente só podem ser aquelas em que o agente convive em um meio onde as pessoas têm o hábito de uso de droga ou de tráfico, e ele pessoalmente também participe de um ou outro. De qualquer forma, é muito difícil aferir estas situações, muito mais logo após a prática da infração penal, quando ainda, na maioria das vezes, não se conhecem esses dados.

A conduta e os antecedentes do agente estão relacionados com a sua vida pregressa. Isto é, v.g., se ele tinha o hábito de portar droga para o consumo pessoal, estará a indicar que pequena quantidade com que venha a ser surpreendido era para uso próprio. Já no caso, v.g., de comumente comercializar droga, inclusive estando ou tendo sido processado por esta modalidade de crime, ainda que seja pequena a quantidade e de baixa qualidade, poderá configurar crime de tráfico ou afins.

Na dúvida, seja qual for a autoridade, deve ela optar pela classificação para fins de consumo pessoal, haja vista que, também nesta fase da persecução, aplica-se o princípio do in dubio pro reo.

Em qualquer circunstância há que se observar a necessidade de fundamentação quanto à classificação da conduta imputada ao agente, independentemente de qual seja ela, sob pena de nulidade deste ato, que, no caso de prisão em flagrante, configurará constrangimento ilegal, conforme veremos em capítulo próprio.

Jorge Vicente Silva é advogado, professor de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Superior da Advocacia da OAB/PR, pós-graduado em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá. Já nas livrarias, Comentários à Nova Lei Antidrogas -Manual Prático. E-mail: jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br; Site: jorgevicentesilva.com.br