Nova Lei de Tóxicos – I

Tivemos sancionada em vinte e três de agosto próximo passado a nova Lei de Tóxicos (n.º 11.343/06), publicada no dia vinte e quatro, que entrará em vigor no dia 07.10.2006 (quarenta e cinco dias após a sua publicação art. 74), a qual revogou tanto a Lei n.º 6.368/76, quanto a n.º 10.409/02, vindo a corrigir enormes incorreções, distorções e incompreensões que passou a existir, especialmente com a entrada em vigor desta última, conforme já nos manifestamos quando a comentamos.

Tanto é verdade que existe esta situação que mesmo passados mais de quatro anos da entrada em vigor da Lei n.º 10.409/02, ainda encontramos magistrados que declaradamente manifestam que não a aplicam, mas sim a Lei n.º 6.368/76, revogada na parte processual por aquela norma.

Portanto, já não era sem tempo que esta nova lei viesse para sanar as mazelas que a norma anterior criou.

Além desta necessidade, é com satisfação que, ao nosso juízo, constatamos na nova lei que a maioria das suas previsões estão embutidas de coerência com a realidade relativamente a esta modalidade de crimes; não fere princípios de direito penal, ao contrário, agasalha a maioria deles; não contém contradições entre seus dispositivos, ficando de certa forma fácil a sua interpretação; está contida na sua maioria de lógica e bom senso; valorizou a discricionariedade do julgador, ao prever diversas benesses legais que somente no caso concreto é possível aferi-la; criou novos tipos penais, dentro de uma coerência prático-jurídica, assim como novas modalidades de sanções penais, etc.

Há muito tempo que não víamos uma norma penal e processual penal com tanta qualidade, seja no sentido técnico-jurídico, seja no sentido prático, que é a sua finalidade.

De outro lado, não se pode negar que ela contém algumas previsões de discutível constitucionalidade, bem como falta de correspondência com a atual realidade, ou dificuldade na sua interpretação, entretanto, estes ?equívocos?, segundo nosso juízo, são pequenos perto dos acertos.

Na condição de complexidade de sua interpretação podemos citar a substituição do conceito de substância tóxica, aquela capaz de gerar dependência física ou psíquica, prevista nas normas anteriores, por simples previsão de ?drogas?, ainda que tenham expressamente sido dominadas de ?substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial da Portaria SVS/MS n.º 344, de 12 de maio de 1998? (art. 66). Esta dificuldade de interpretar a norma neste particular ocorre na medida em que se considera objeto material desta modalidade de crimes, inúmeras outras ?drogas? não previstas na citada portaria, sem que tenha sido fixado um limite relativamente aquelas que nela não estão relacionadas.

De discutível constitucionalidade podemos citar a vedação de ?sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória?, assim como ?a conversão de suas penas em restritivas de direito? (fls. 44).

Nesta mesma esteira verifica-se a proibição de apelo em liberdade, para os casos de crime de tráfico e outros assemelhados, quando o agente não é primário e de bons antecedentes (fls. 59), haja vista que hoje está pacificado na nossa jurisprudência, inclusive dos tribunais superiores, que a previsão contida no artigo 594, do Código de Processo Penal fere o princípio constitucional da presunção de inocência (CF, art. 5.º, inciso LVII), razão pela qual esta regra somente pode ser aplicada quando presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva.

Criticável é a manutenção do rito sumário, tal qual previsto pelas leis revogadas, haja vista que pela praxe forense, cuida-se de previsão legal que ?não pegou?.

Relativamente às condutas relacionadas com drogas para consumo pessoal, diversamente do que temos lido e ouvido, não entendemos que tenha havido descriminalização, apenas porque há previsão de que neste caso não haverá lavratura de auto de prisão em flagrante, haja vista que não há proibição da prisão e condução do infrator até a presença da autoridade competente (art. 48, § 2.º), sendo que também é prevista a aplicação de três modalidades de sanções, o que ao nosso ver desnatura a decantada descriminalização.

De enorme relevância podemos citar a previsão da causa de diminuição da pena, de um a dois terços, quando, em razão da dependência, ou sob efeito dela, o agente ao tempo da ação não possuía plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato, ou determinar-se de acordo com esse entendimento.

Também como instrumento de justiça para os casos concretos, ficando ao livre arbítrio motivado do julgador em aplicar ou não, encontra-se prevista causa de diminuição de pena para os crimes de tráfico e outros a ele assemelhados, no patamar de um sexto a dois terços, quando o agente for ?primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa? (art. 33, § 4.º).

Veja-se que se de um lado houve aumento da pena mínima para esta modalidade de crime, de 03 anos para 05, também conferiu, e com muito acerto, ao juiz a possibilidade de reduzir esta pena em até dois terços.

Na prática esta é uma das maiores inovações capaz de conferir ao julgador a possibilidade de diferenciar o traficante dono da droga, daquele que trafica na condição de ?mula?, ou então quando pratica esta modalidade de conduta de forma isolada, por um deslize de conduta que muitas vezes a vida, pelas mais diversas razões, confere ao ser humano.

A colaboração, ou delação como é denominada esta modalidade de conduta, é contemplada com diminuição da pena no patamar de um a dois terços (art. 41).

Elogiável também é a previsão diversa do tipo penal do tráfico para os casos de oferta de ?droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos consumirem? (o chamado uso compartilhado), cuja pena prevista é de 06 meses a 01 ano de detenção (art. 33, § 3.º).

Criou-se também novos tipos penais, como os de financiamento e custeio para os crimes de tráfico e assemelhados, com pena de 08 a 20 anos (art. 36), a colaboração para estas modalidades de delitos (art. 37), a condução de embarcação ou aeronave após o consumo de drogas (art. 39), aumento de pena para o caso de tráfico interestadual (art. 40, inciso V), etc.

Resolveu-se a dúvida quanto ao número de interrogatórios judiciais, estando certo que somente deverá ser realizado um (art. 57), e não dois, como a Lei n.º 10.409/02 deu a entender.

Manteve-se a defesa prévia antes do recebimento da denúncia, sendo este o momento para ?oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas? (art. 55, § 2.º), não se oportunizando mais a possibilidade da apresentação desta peça após o interrogatório do acusado, haja vista que a audiência é una, tanto para este ato quanto para a colheita de provas testemunhais (art. 57).

Está prevista a venda antecipada dos bens apreendidos ou seqüestrados, através de leilão, quando houver risco de sua deterioração ou depreciação, cujo numerário ficará depositado em conta judicial até o trânsito em julgado da ação penal.

Também está autorizado o uso de bens, valores e produtos apreendidos, quanto houver interesse, mediante autorização do juízo do processo penal.

A apreensão somente recairá sobre bens, valores e produtos de origem ilícita, cabendo ao acusado, ou ao terceiro reivindicante comprovar que eles são de origem lícita, hipótese em que o juízo do feito decidirá pela sua liberação. Veja-se que neste caso há inversão do ônus da prova.

Cuida-se, portanto, de norma com enorme acerto em suas previsões, ficando algumas questões para serem resolvidas pela nossa doutrina e jurisprudência, entretanto, na sua maioria são matérias que já estão assentadas nas normas revogadas, resolvendo, de certa forma, aquela rejeição e insatisfação, principalmente por alguns julgadores, face a balbúrdia que gerou a Lei n.º 10.409/02.

Encontramos ainda outras previsões, umas relevantes, elogiáveis, e outras sem maiores importâncias ou contidas de equívocos, sem, entretanto, desnaturar a essência da norma, e sem maiores dificuldades para serem superadas pelos nossos tribunais.

Nos próximos números deste caderno estaremos analisando algumas das principais alterações desta nova lei, como atrás visto, além de outras, de forma mais aprofundada.

Jorge Vicente Silva é advogado, professor de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Superior da Advocacia da OAB/PR, pós-graduado em Direito Processual Penal pela PUCPR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, ?Tóxicos – Análise da nova lei?, ?Manual da Sentença Penal Condenatória?, e no prelo ?Crime Fiscal – Manual Prático?, Comentários à Nova Lei de Tóxicos, Manual Prático (Lei n.º 11.343/06.  E-mail: jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br; advocacia@jorgevicentesilva.com.br, Site ?jorgevicentesilva.com.br?

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