Quando há uma efetiva sucessão de leis penais (no tempo do crime vigorava a lei ?A? e no tempo do processo, da sentença ou da execução passa a vigorar a lei ?B?, regente do mesmo fato) fala-se em conflito de leis penais no tempo (ou sucessão de leis penais). Qual delas deve ter incidência no caso concreto: a lei do tempo do crime (lei ?A?) ou a lei do tempo do processo, da sentença ou da execução (lei ?B?)?

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Para resolver o assunto contamos com dois princípios básicos (irretroatividade da lei penal nova mais severa e retroatividade da lei penal nova mais benéfica) e dois outros correlatos (ultra-atividade da lei penal anterior mais benéfica e não ultra-atividade da lei penal anterior mais severa). Ao conjunto de regras e princípios que regulam o conflito de leis penais no tempo dá-se o nome de Direito penal intertemporal.

Esse fenômeno da sucessão de leis penais aconteceu uma vez mais com o advento da Lei 11.343/2006 (nova lei de drogas). Comparando-se essa lei nova com a antiga (Lei 6.368/1976), nota-se que em muitos pontos a lei nova ora é mais favorável, ora é mais severa. Em todos os pontos em que for favorável retroage (deve retroagir para beneficiar os réus). Do contrário, quando maléfica não retroage. São muitas as situações que merecem nossa atenção. Vejamos alguns exemplos:

a) Primeiro:

O art. 33 da lei nova é irretroativo, pois, repetindo os mesmos núcleos do art. 12, previu conseqüências penais (corporal e pecuniária) mais gravosas. Atenção apenas para a Súmula 711 do STF, no caso de crime permanente, ou seja, se a conduta permanente (ter consigo, ter em depósito, guardar substância entorpecente etc.) teve início antes da nova lei (até o dia 07.10.06) e continuou sendo praticada após o dia 08.10.06, incide a nova lei, mesmo que mais severa (crime permanente que continua sendo praticado mesmo depois do advento de nova lei, é regido pela nova lei Súmula 711 do STF).

b) Segundo:

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O art. 33, § 1.º, I, da lei nova é irretroativo, pois, repetindo os mesmos núcleos do art. 12, I, previu novo objeto material (insumo) com conseqüências penais (corporal e pecuniária) mais gravosas. Atenção apenas para a Súmula 711 do STF, no caso de crime permanente (cf. acima nossas observações sobre esse ponto).

c) Terceiro:

O art. 33, § 1.º, II, da lei nova é irretroativo, pois, repetindo os mesmos núcleos do art. 12, II, previu conseqüências penais (corporal e pecuniária) mais gravosas. Atenção apenas para a Súmula 711 do STF, no caso de crime permanente. Deve ser lembrado, ainda, que o plantio de pequena quantidade para uso agora está equiparado ao mero porte (art. 28), retroagindo para aqueles que antes subsumiam ao tipo do tráfico. Quem, no entanto, ensinava ser tal comportamento atípico (lacuna), deve aplicar a novel lei de forma irretroativa.

d) Quarto:

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O art. 33, § 1.º, III, restringiu a punição para aquele que age visando a prática do tráfico. Nesse caso, o tipo novo é irretroativo, vez que a sanção trazida pela Lei 11.343/06 é mais gravosa (atenção apenas para a Súmula 711 do STF, no caso de crime permanente). Se a cessão do local for para uso, a novel lei não mais aplica a mesma pena do tráfico, tratando a hipótese como simples induzimento, tipificado no parágrafo seguinte, com pena menos grave (logo, retroativo).

e) Quinto:

A lei nova, nesse caso em que o agente induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente, deve retroagir porque trouxe sanções penais menos gravosas.

f) Sexto:

O comportamento descrito no art. 33, § 3.º, antes da Lei 11.343/06, era, para alguns, tratado como tráfico (fornecer, ainda gratuitamente, art. 12 da Lei 6.368/1976). Agora, com a alteração trazida pela Lei 11.343/06, o fornecedor que age sem finalidade de lucro e de forma eventual, visando, inclusive, a consumir a droga oferecida com pessoa de seu relacionamento (tráfico ocasional e íntimo), tem pena bem menos gravosa, aliás de menor potencial ofensivo (está clara a retroatividade). A retroatividade existe mesmo para aqueles que antes já subsumiam a hipótese ao porte para uso (art. 16, da antiga lei de drogas), vez que a pena máxima deixou de ser de dois passando para um ano. O novo dispositivo, entretanto, é irretroativo no que diz respeito à pena de multa: a nova é muito mais severa que a anterior.

Quem aplica a lei nova favorável? Se o processo está em andamento em primeira instância, a lei nova favorável deve ser aplicada pelo juiz de primeira instância; se está no tribunal, cabe ao tribunal aplicá-la; se existe execução em andamento (provisória ou definitiva) a incidência da nova lei é da competência do juiz das execuções (Súmula 611 do STF).

Situação peculiar: o juiz das execuções tem competência para aplicar a lei nova favorável, fazendo-se os ajustes necessários na pena (conforme a lei nova). De qualquer maneira, pode ser que o caso demande exame valorativo de provas ou mesmo produção de novas provas. Nessa hipótese, o correto será o uso da revisão criminal, porque o juiz das execuções se de um lado não pode se furtar do exame cognitivo das provas produzidas, de outro, não tem o dever de abrir ?nova? instrução probatória nessa fase executiva. Sempre que o caso exigir exame valorativo (que não se confunde com o simples exame cognitivo) de provas, ou mesmo produção de provas novas, a via adequada é a da revisão criminal.

Conclusão: preenchidos os requisitos desse novo art. 33, § 3.º, ele deve ter incidência retroativa e vai alcançar todos os fatos passados, aplicando-se a pena privativa de liberdade da nova lei, mantendo-se a pena de multa da antiga. Com isso fica patente que o juiz não está ?criando? uma terceira lei, ou seja, o juiz não está ?inventando? nenhum tipo de sanção: apenas vai aplicar as partes benéficas de cada lei, aprovada pelo legislador. O que está vedado ao juiz é ele ?inventar? um novo tipo de sanção. Isso não pode. Aplicar tudo aquilo que foi aprovado pelo legislador o juiz pode (e deve).

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-Geral do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal, Consultor e Parecerista, fundador e presidente da Rede LFG Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina – Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais).

Rogério Sanches Cunha é professor da Escola Superior do MP-SP. Professor de Direito penal e Processo penal na Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes Rede LFG e promotor de Justiça em São Paulo.