Dia desses, escutei no rádio entrevista de ilustre representante do Ministério Público, que defendia com veemência a manutenção da idade de 18 anos para a responsabilidade penal. Em seus arroubos grandiloqüentes, chamou de ignorantes todos aqueles que, como eu, defendem a redução da maioridade penal. Chamou, sim! Ele disse, alto e bom som, que somente por ignorância alguém pode defender esta tese.
Eu não achava e não sabia que sou ignorante. Mas, Sua Excelência, o digno e culto procurador de justiça, é um homem honrado. E, se ele assim o afirma, com todas as letras, e com tal segurança, é porque deve ter seus motivos, e, no devido tempo, deve dar sua explicação.
O projeto de lei que prevê tal redução de idade de responsabilidade penal do adolescente foi aprovado, recentemente, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, por votação da maioria de seus membros. Eu também não sabia que a maioria dos parlamentares (os que votaram pela redução da idade limite) são ignorantes. Mas, Sua Excelência, o ilustre e respeitado procurador de justiça, é um homem honrado. E, se ele o afirma, com tal arrebatamento e com tal convicção, certamente é porque tem suas razões.
O que, na verdade, Sua Excelência teme, é a reforma do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), cuja manutenção defende com unhas e dentes, não se sabe por quê.
A propósito, um livro, publicado em 1997, intitulado ?Falhas do Estatuto da Criança e do Adolescente?, sob a coordenação do juiz Alyrio Cavallieri, aponta 395 objeções ao ECA. Vale dizer, o número de defeitos do Estatuto apontados por juristas do País inteiro é superior ao número de artigos. Não obstante, inexplicavelmente, os intransigentes defensores do ECA resistem heroicamente às mudanças. A eles tenho recomendado a leitura desse livro, para sua reflexão. Mas eles não o lêem. E eu não entendo por quê…
Já afirmei, alhures, que o maior defeito do ECA é fazer parecer a todos à sociedade e ao próprio adolescente que ele, adolescente, é intocável. O Estatuto é tido pelo ?menor? (Por que repudiar esse termo adotado pelos outros países?) como uma espécie de salvo-conduto para praticar impunemente as mais abomináveis ações… Alto lá, doutor! Eu sou de menor!
Acontece que ?a liberdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos concedida à criança… instituiu a criança e o adolescente de rua?, diz Celmilo Gusmão, juiz do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Diz Sua Excelência, nosso combativo procurador de justiça, que, em vez de defendermos a redução da idade penal, devemos mobilizar-nos para a integral implementação do ECA. O quê, Excelência? Esse ECA, com suas 395(!) falhas? E também advertia que, se a redução for adotada, ela poderá atingir nossos filhos e netos.
Ora, ora, doutor! Essa lei precisa, sim, ser modificada! E com urgência! Nem que a mudança venha a atingir nossos filhos e netos! Se não conseguimos dar conta da educação deles, por bem, temos de confiar no Poder Público para fazê-lo, por mal. E não me venha com aquela estória de ?encher as cadeias com adolescentes?… Ademais, a Febem não é melhor do que as cadeias públicas. Ou é, Excelência, e eu não sei? É certo que o sistema carcerário está falido. Mas, a criminalidade juvenil vem recrudescendo de forma assustadora, principalmente por causa da impunidade. Por causa dessa inexplicável política demagógica que afaga bandidos de todas as idades.
Na entrevista, no rádio, Sua Excelência afirmou também que nós, os ignorantes… estamos na contramão da história, porque, disse ele, a tendência mundial é pelo aumento da idade limite para a responsabilidade penal. Ora, eu pensava diferente, achava que era justamente o contrário disso. Mas, Sua Excelência, o respeitável e obstinado procurador de justiça, é um homem honrado. E não seria justo, não seria mesmo respeitoso para com ele, supor que Sua Excelência estivesse manipulando dados estatísticos, para fazer valer suas idéias paternalistas.
Digo isso porque tenho em mãos informações que estão sendo veiculadas pela internet, mostrando justamente o contrário do que afirma Sua Excelência. Será que tais dados estariam equivocados? Não me parece que estejam, pois confirmam dados anteriores que eu já guardava em meus arquivos. Mas, longe de mim pôr em dúvida a palavra abalizada de Sua Excelência! Prefiro eu mesmo passar por ignorante, como ignorantes devem ser também aqueles que votaram na Câmara pelo rebaixamento da idade para responsabilidade penal, e também o ilustre juiz Alyrio Cavallieri, e Samuel Alves de Melo Júnior, do TJ de São Paulo, também José Carlos Barbosa Moreira, do TJ do Rio de Janeiro, e Hélio Jaguaribe, decano do Instituto de Estudos Políticos e Sociais, e Celmilo Gusmão, do TJ de Pernambuco, e também a juíza Denise Frossard.
Em vários países, a maioridade penal se dá aos dezesseis anos, diversamente do que apregoam, quiçá de boa-fé, certos menoristas de plantão. Em algumas nações, a imputabilidade baixa para os quatorze anos, nos delitos violentos. A França reduziu a maioridade penal para 13 anos. Nos Estados Unidos, a maioridade é entre 6 e 18 anos, conforme a legislação estadual. No México, entre 11 e 12 anos, para a maioria dos estados. Na Inglaterra, a idade limite é 10 anos. Na Itália, Alemanha e Rússia, é 14 anos. Na Suécia, Dinamarca, Finlândia e Noruega, é 15 anos.
E, no Brasil, por que será que persiste na contramão da história esse pudor em rebaixar o limite etário da responsabilidade penal? Por que esse medo de mudar? O adolescente de 16 anos tem maturidade para votar e para dirigir veículos, mas não a tem para responder por seus atos?
Eu questiono os especialistas: Por acaso, o ambiente da Febem é menos desumano do que aquele da penitenciária? Se é cruel a reclusão do jovem de 16 anos, não o seria também a reclusão do moço de 18, 19, 20 anos? É preciso acabar de vez com o culto da falaciosa imaturidade infanto-juvenil e com essa mistificação da idade limite!
Eu pergunto: O que é melhor ou menos mal para o delinqüente juvenil: ser refém do Estado (na cadeia), que, ao menos teoricamente, importa-se com sua recuperação, ou ser refém da máfia de bandidos que costuma usá-lo no cometimento de crimes e, depois, jogá-lo no lixo?
As esperanças se renovam, agora, quando se leva a questão a debate público, com amplitude e seriedade. Quem sabe, agora, se elabore uma lei despida do ranço demagógico e paternalista do velho estatuto.
1) ?Com ele (ECA), os problemas permaneceram e, aliás, se agravaram?, segundo Samuel Alves de Melo Júnior, juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo.
2) ?O ECA ressente-se de alguns defeitos graves: inconstitucionalidades, imperfeição na sistematização, redação com pouca clareza em número não pequeno? são palavras de José Carlos Barbosa Moreira, desembargador do TJ do Rio de Janeiro.
3) ?Sou extremamente contrário ao ECA porque o considero um ato quase de insulto à sociedade brasileira? já declarava Hélio Jaguaribe, decano do Instituto de Estudos Políticos e Sociais, in Estado de Minas, há mais de dez anos.
E me façam um favor, Excelências: Que se evite, no novo código, essa nomenclatura artificial. Diga-se ?Código de Menores?, como na maioria dos países. E nada de eufemismos: crime é crime, bandido é bandido! Deixem de lado pseudos conceitos ?técnicos?, como ?ato infracional? ?adolescente em situação de risco? e quejandos. Adocicar as expressões, aí, soa falso e inútil. Para proteger o menor, não é necessário demagogia nem paternalismo, mas escola real, professor real, comida real, roupa real no dizer de Jaguaribe. Mas, em verdade, eu lhes digo: o que eles, os menores, precisam entender, antes de mais nada, é que não são intocáveis!
Albino de Brito Freire é juiz aposentado da Academia Paranaense de Letras.
