Noções sobre o tráfico de animais no Brasil

O tráfico de animais silvestres é o terceiro maior negócio ilegal do mundo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e armas. Segundo dados da ONG PEA (Projeto Esperança Animal), estima-se que ele movimenta mundialmente cerca de U$ 10 bilhões por ano. No Brasil, fala-se de algo em torno de 10 a 15% do comércio mundial, ou seja, o equivalente a U$ 1 a 1,5 bilhões por ano, e cerca de 100 mil animais silvestres apreendidos anualmente, o que representa apenas uma pequena parcela do que é traficado.

A conceituação de fauna silvestre é dada pelo artigo 1.º da Lei 5197/67: são animais de qualquer espécie que, por sua natureza e em qualquer fase de seu desenvolvimento, vivem fora do cativeiro. A estes são equiparados os seus ninhos, criadouros naturais e abrigos.

A Lei 9605/98, em seu art. 29, §3, nos traz que devem ser entendidos como espécimes da fauna silvestre todos aqueles que pertençam às espécies nativas, migratórias ou outras, sejam aquáticas ou terrestres, desde que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo nos limites territoriais brasileiros, incluindo as águas.

A Constituição Federal foi bastante abrangente no tocante à proteção da fauna, não restringindo quanto às espécies e categorias de animais protegidos, enunciando ser dever do Poder Público sua proteção, vedando práticas que coloquem em risco sua função ecológica, que levem à extinção ou submetam os animais à crueldade, em conformidade com seu artigo 225, § 1.º, inc. VII.

No Brasil duas Leis e um Decreto constituem os principais instrumentos legais de combate ao tráfico de animais silvestres: Lei 5197/67, que dispõe sobre a proteção à fauna; Lei 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e Decreto 6.514 de 2008, que revogou o antigo Decreto 3.179/99 e dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente.

Não há, juridicamente, um crime nas normas ambientais penais tipificado como “traficar animais”, pois na realidade trata-se de um conjunto de ações que, por si só, constituem o crime de tráfico. A previsão dos tipos penais ambientais para as condutas consideradas crimes contra a fauna está no artigo 29 da Lei 9.605/98, assim descritas: Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena – detenção se 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

As condutas ligadas especificamente ao que chamamos usualmente de tráfico são trazidas pelo §1°, inciso III do artigo supracitado, que abrange vender, exportar, adquirir, guardar, ter em cativeiro, utilizar ou transportar ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, assim como eventuais produtos e objetos dela provenientes.

Associam-se também às condutas do “tráfico de animais” os chamados maus-tratos, previstos no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, segundo o qual é crime punido com detenção de três meses a um ano e multa, a prática de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Os maus tratos relacionam-se ao tráfico pois os animais são transportados de forma velada, para não atrair a atenção de agentes fiscalizadores. Em decorrência disso o transporte é sempre feito de maneira inadequada, como, por exemplo, dentro de caixas de leite ou tubos com pequenos orifícios para garantir o mínimo de oxigênio.

Existem algumas circunstâncias que podem agravar a pena do crime em questão, como a reincidência nos crimes de natureza ambiental; o agente cometido o crime visando vantagem pecuniária (o que geralmente acontece), em unidades de conservação, em domingos e feriados, à noite ou atingindo espécies ameaçadas listadas em relatórios oficiais.

O decreto 6.514 de 22 de julho de 2008 prevê multa administrativa de até R$ 5.000,00 por animal para quem comete esse tipo de infraçã,o, valor este que, diante da magnitude e da gravidade do tráfico de animais, em muitos casos é praticamente insignificante. Entretanto, em razão das penas previstas para os crimes contra a fauna serem, via de regra, inferiores a dois anos de detenção, aqueles que forem flagrados cometendo tais crimes são submetidos aos procedimentos descritos na Lei  9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), e geralmente os processos acabam terminando em transação penal ou, no máximo, com a aplicação de uma pena restritiva de direitos, com a mesma duração que teria a restritiva de liberdade, como a prestação de serviços à comunidade, a interdição temporária de direitos e o recolhimento domiciliar.

Diante da insuficiência da fiscalização em um país de dimensões continentais como o Brasil, a única solução para o crescente aumento do tráfico de animais parece ser a elaboração de mudanças efetivas no tocante à penalização do crime, tornando mais severas tanto o quantum da pena quanto do valor máximo da multa, como forma de coibir esse tipo de ação, além da realização de campanhas educativas para que cada cidadão possa se conscientizar e então colaborar para a redução da demanda por animais silvestres.

Roberta Raphaelli Pioli é advogada do escritório Fernando Quércia Advogados Associados.

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