Não há um tempo determinado para Odelair Rodrigues, que nos deixou recentemente, vitimada por parada respiratória. Seu tempo é eterno, cuja vida foi um marco na história cultural de nosso Estado, lembrada e aplaudida por muitos que bem a conheceram, principalmente os que atuam na heróica área teatral.
O tempo de Odelair Rodrigues a que me refiro é aquele em que a televisão era regionalizada, e, a par das atividades teatrais de nossa terra, nossos atores emprestavam seu talento à televisão transmitida ao vivo, uma alusão que dá sentido ao aspecto artesanal de nossa produção televisiva, mas que, no fundo, representava autêntico profissionalismo.
O meu tempo com Odelair Rodrigues é um tempo de admiração. Nunca conversei com ela. Mas com ela me encontrava pela nossa cidade. Olhava-a com o encanto de quem a viu representando Mamãe Dolores, em O Direito de Nascer, novela pioneira na televisão paranaense dos anos sessenta. Ailton Muller era o Albertinho Limonta, e vários outros atores atuaram com ela naquele trecho da história de nossa antiga televisão regional: também se notabilizaram Lala Schinaider, Édison D’Ávila, Roberto Menghini, Glauco Sá Britto, Claudete Barone, José Basso, Sansores França, Sinval Martins, dentre tantos outros que demonstravam a riqueza de nossa criatividade, a certeza de nossa existência num cenário novo da década de sessenta, em que nossas emissoras de televisão passaram a funcionar (Canal 6 e Canal 12).
Nesse tempo, as crianças como eu, na faixa de seus dez anos, muitos meus colegas e amigos da Escola de Aplicação “Alba Guimarães Plaisant” (anexo ao Instituto de Educação), entusiasmavam-se com a chegada da TV Programas em suas casas. Alguns levavam a revistinha de programação local e semanal para o colégio, um trabalho que Renato Ribas e Célio Heitor Guimarães faziam sem perceber que escreviam a história passageira de um tempo de produção local.
Tamanho o sucesso e o reconhecimento pela magnífica produção de O Direito de Nascer com artistas paranaenses, que as Lojas Násser, patrocinadora da novela, promoveu uma tarde de autógrafos em sua filial da Rua Comendador Araújo. Fila enorme. Várias quadras. Adultos e crianças, cada um com seu caderninho de autógrafos em mãos (outro hábito hoje inexistente), disputavam a vez para obter a assinatura, com dedicatória, de seus ídolos locais.
E lá estava Odelair, a mais procurada pelos fãs, a mais festejada. Humilde e atenciosa. Sem saber que fazia parte de um tempo que seria sucedido pela televisão eminentemente comercial, pelas redes nacionais que, por coincidência, surgiram com o militarismo no Brasil, abafando os valores regionais. Nossos artistas continuaram produzindo, mas para um público menor.
Esse tempo de Odelair da década de sessenta passou. Foi rico em nossa história. E esse era o nosso tempo de conhecer o que possuíamos de manifestação cultural.
Odelair era idolatrada. Morreu idolatrada.
Morte que obriga a reflexão de que nada mais somos do que receptores de um mundo cultural que não é nosso. Onde estão nossos artistas mirins que se apresentavam na Big Gincana Duchen (William Sade no comando) e em Gurilândia (dirigido por Emerentino Paca e Oscar Godoy)? E nossos cantores populares do memorável Ponto Seis (dirigido por Didier Deslandes), e que chegou a ocupar o auditório do Cine Palácio aos domingos pela manhã?
Emoldurarei o autógrafo de Odelair Rodrigues. Será a lembrança de um tempo que se foi.
José Maurício Pinto de Almeida – Magistrado e membro do Centro de Letras do Paraná.