Na edição de “Direito e Justiça” de 2/3/2003, nosso artigo recebeu o título de “Depois do Carnaval”. Naquele breve texto analítico da situação econômico-social do país, com reflexo nas relações de trabalho, buscamos focalizar que “nos usos e costumes do povo brasileiro está incorporada a idéia de que há um rito de passagem de ano para ano. Ele se inicia por volta de meados de dezembro, com o término das aulas, preparação das férias e o início dos festejos natalinos e do ano-novo, prolongando-se até o término do Carnaval. É comum que seja a referência de um tempo em que as coisas para serem resolvidas poderão esperar um pouco mais, ou seja, vamos aproveitar as festas, as férias e os folguedos. Depois…”.
Naquele momento, vivíamos um rito de passagem extraordinário com a posse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando assinalamos: “Pela relevância política e pelo envolvimento de todo o povo, às comemorações tradicionais se incorporaram a alegria e a beleza populares pela singularidade da mensagem de transformação e esperança que o fato político projetou, aliado à imagem carismática de Lula e o carinho que o povo tem pelo nosso Presidente e sua esposa Marisa”. Mas, ao mesmo tempo, apontávamos que” a partir da segunda semana de março, terminado o Carnaval, o País se reencontra com sua própria perplexidade, a de que terá que, na prática do cotidiano, vencer o medo e cultivar a esperança. Para um povo sofrido e cansado de apanhar, será mais um teste de firmeza e capacidade de enfrentar desafios. Eis que o panorama que se afigura apresenta alguns contornos incertos”.
Inflação: O primeiro ponto analisado foi sobre a inflação. O ano de 2002 havia fechado com “a variação inflacionária entre 35,41% (FGV), no que concerne aos preços dos produtos entregues pelas empresas distribuidoras e atacadistas ao varejo, e 14,74% (IBGE), o índice nacional de preços ao consumidor (INPC), aplicado nas negociações coletivas entre sindicatos de empregados e de empregadores. Os índices mensais do INPC a partir de outubro assustam, variando de 1,75%, 3,39%(novembro), 2,70% (dezembro) e 2,47% (janeiro), fazendo com que o índice acumulado de fevereiro/02 a janeiro/03 atinja a 16,33%”. Passados doze meses, de dezembro/02 a novembro/03, os índices são de 9,92%(FGV), 12,76%(INPC) 9,69%(FIPE), sendo que os índices mensais do INPC estão variando em percentual inferior a um por cento (0,18% em agosto, 0,82% em setembro, 0,39% em outubro e 0,37% em novembro), conduzindo à redução da taxa inflacionária para cerca de 8% acumulada no ano. Trata-se do principal obstáculo que vem sendo ultrapassado pela política econômica do governo.
Macroeconomia: O segundo ponto abordado naquela análise, dizia respeito ao aumento da taxa de juros, “que estava em 18% em setembro/02, para 26,5%, com gradativas elevações a cada mês. Ou seja, aumentam os preços dos produtos mensalmente e, em seguida, eleva-se a taxa de juros”. Essa taxa veio progressivamente sendo reduzida, estando hoje no patamar de 16,66%, ou seja, inferior ao índice de setembro/02. Outros índices podem ser acrescidos, com o valor do real perante o dolar, então em R$3,63 e hoje em R$2,94, o risco-Brasil que atingia a 1.600 pontos e agora estando a 533 pontos, assim como o saldo comercial que se encontrava a pouco mais de 11 bilhões de dólares e no mês de novembro/03 atingia o dobro, ou seja, 22 bilhões de dólares.
Evitar quadro recessivo: Diante daquela situação, afirmávamos que “esta contingência talvez tenha que ser enfrentada com política de contenção de preços ou de consumo, mas as variáveis podem desaguar em procedimentos recessivos, nada aconselháveis”. Ocorreu uma política de contenção inflacionária, segurando os preços, ao mesmo tempo que se buscava um reequilíbrio nas contas externas, superávit nas exportações diante das importações, novos investimentos externos face a credibilidade política diante de um baixo risco-Brasil, além de uma moeda fortalecida. Em tais circunstâncias, a avaliação da direção nacional da CUT é que a entidade “reconhece que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no decorrer deste primeiro ano de mandato, vem procurando implementar medidas destinadas a reduzir os impactos negativos da política macroeconômica, dentre as quais a redução das taxas de juros e ampliação do crédito, a exemplo do crédito consignado com desconto em folha. Com isto, entre outras conseqüências, o risco Brasil está diminuindo e sendo evitado um quadro de recessão e de inflação”.
Negociações salariais: No que se refere às negociações salariais anuais, assinalávamos que “o quadro de 2002 demonstra que pouco mais da metade das categorias profissionais conseguiu fixar o reajuste salarial respeitado o INPC anual, pois muitas delas obtiveram apenas reajustes parciais e benefícios salariais indiretos. Não há, ainda, um paradigma para a negociação do ano em curso, pois o panorama econômico somente se definirá com maior clareza dentro de trinta ou sessenta dias, em especial pelas repercussões econômicas que poderão acontecer se houver o conflito armado no Iraque”. O resultado de 2003, segundo o balanço da CUT, foi o seguinte: 53% das categorias tiveram reajustes abaixo do INPC, embora no 2.º semestre algumas categorias (bancários, petroleiros, químicos, metalúrgicos, além de outras categorias), apresentaram conquistas de reajustes que repõem as perdas do período, ou mesmo acima dos índices de inflação. Houve, portanto, quadro semelhante a 2002, embora a queda inflacionária possibilite a manutenção do poder aquisitivo em patamares mais elevados do que no ano 2002.
Desemprego: Já no início de 2033, o desemprego era a principal questão da herança recebida do neoliberalismo no País, com a existência de 12 milhões de desempregados, sendo 19% na região metropolitana de São Paulo e 7,3% o índice médio nacional. Em conseqüência, “são índices que vêm sendo mantidos nos últimos anos, problema considerado o prioritário a ser enfrentado, segundo pesquisas de opinião pública”, como frisamos naquele texto. Agora, ainda segundo a CUT, na resolução de sua direção nacional, “os maiores problemas no Brasil são a desigual distribuição de renda e o desemprego. Há um agravamento da crise social, manifestada nos índices de desemprego (20,4% na Região Metropolitana de São Paulo, conforme o DIEESE) e pela pior renda média dos trabalhadores nos últimos anos, efeitos da política neoliberal implementada pelo governo FHC”. Portanto, persiste o desemprego como fator desagregador do equilíbrio social e ainda a principal preocupação dos brasileiros. Na pesquisa da Confederação Nacional da Indústria divulgada em 18.12.03, a desaprovação da política do governo federal de combate ao desemprego era apontada por 54% da população, contra 40% que a aprova as medidas oficiais. Além disso, 39% dos entrevistados manifestaram muito medo com o desemprego e 24% com um pouco de medo, revelando a insegurança de 63%.
Perspectivas de crescimento: Escrevíamos no início de março de 2003 que “o desafio, pois, será encontrar, nesse quadro de dificuldades locais, herdado de uma política econômica neoliberal por oito anos, e nas turbulências da política internacional norte-americana, as fórmulas eficientes para superar a crise, gerar empregos e renda e estabelecer um ponto de equilíbrio nas relações entre capital e trabalho, que são as indicadoras da harmonia social Eis algumas das difíceis tarefas que se colocam para todos nós, depois do carnaval”. Hoje, durante as festividades do Natal temos a certeza que a política macroeconômica foi controlada, o processo inflacionário está sendo reduzido a quase zero ao mês, o real readquire sua capacidade de compra, o risco país foi drasticamente rebaixado, a balança comercial é favorável, a credibilidade internacional brasileira está em alta. As condições para o combate ao desemprego estão colocadas. Ainda na avaliação da CUT, “para 2004, as perspectivas de crescimento são positivas. A partir da redução da taxa de juros, haverá uma queda da dívida pública e aumento da oferta de crédito, estimulando o consumo e os investimentos produtivos. A retomada do desenvolvimento do nosso país passa pelos investimentos em produção de bens de capital, com fortalecimento da indústria nacional. Para isso é preciso reduzir o superávit primário para gerar emprego e renda e desenvolver uma política social integrada e audaz”. O Ministro da Fazenda Antônio Palloci, em entrevista a Agência Estado (21.12.03) assinala que o governo vai ser proativo na questão do emprego, pois “o Brasil precisa de um compromisso,na retomada do crescimento, de distribuir renda. Essa é uma política que gera emprego. O Brasil já cresceu a taxas baixas e altas, mas nunca distribuiu renda”. E indica a fórmula:” O que o presidente Lula tem usado muito é que o Brasil agora vai crescer para todos. A novidade é, primeiro, a possibilidade de arrumação da casa de longo prazo; segundo, crescimento de longo prazo e terceiro, crescimento com distribuição de renda. Isso já é outro Brasil”. Há, entretanto, questões cruciais a serem enfrentadas, entre elas a da dívida pública, interna e externa, a dependência do país em face ao capital internacional, a especulação financeira e a necessidade de controle desse capital especulativo.
Melhor no Paraná: Em nosso Estado, a sétima sondagem industrial da Federação das Indústrias do Estado do Paraná aponta que 87,46% das 393 empresas pesquisadas têm expectativas favoráveis para 2004, quer com aumento de vendas, quer com elevação no nível de emprego. O quadro econômico paranaense é mais favorável que o brasileiro, eis que, segundo pesquisa do Ipardes, o produto interno bruto em 2003 crescerá 2,9%, contra apenas 0,25% do país. No campo do emprego, houve aumento de 5,9% de trabalhadores com carteira assinada, sendo que destes, 85,6% em cidades do interior paranaense. A taxa de desemprego na região metropolitana de Curitiba ficou em 8,5% da população economicamente ativa, o melhor resultado da região sul e abaixo da média nacional de 12,5% para as regiões metropolitanas em geral. A projeção do crescimento do PIB para 2004 é de 4%.
As condições estão definidas: Não necessitamos, assim, esperar para depois do carnaval, como no início de 2003, que as condições sejam estabelecidas, pois elas estão definidas e há indicativos seguros que, se o governo adotar medidas como as preconizadas pela entidade sindical dos trabalhadores, além das que se referem à dívida pública e o capital financeiro especulativo, dentre outras, será possível iniciar um amplo combate ao desemprego, ampliando as oportunidades de trabalho e gerando renda, com o crescimento sustentado da economia. Neste rumo, as relações de trabalho poderão se solidificar dentro de um quadro de apoio recíproco entre empresários,. trabalhadores e governo.
Edésio Passos
é advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e ABRAT, assessor jurídico de entidades sindicais de trabalhadores e ex-deputado federal (PT/PR). E-mail: edesiopassos@terra.com.br