Nem fazendeiros nem índios. Nem sem-terra profissionais ou ocasionais, nem grandes latifundiários. Nem traficantes. Ninguém está acima da lei ou fora dela. Esta devia ser a regra e, assim, o que está inscrito na bandeira nacional – Ordem e Progresso – faria sentido. E o Brasil entraria no rumo.
A advertência do ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, tem que ser levada às últimas conseqüências – e com a urgência que o caso requer – no episódio dos sem-terra invasores e, especificamente, no clamoroso caso que está revelando à nação uma quantidade de índios que não sabíamos possuir. Pois tudo está passado dos limites. Que os índios deponham paus, arcos, facões e machadinhas (e também alguma arma de fogo, não própria dos nativos) e que os fazendeiros e proprietários também se desarmem. E fumem o cachimbo da paz com muita fumaça. Se assim não fizerem, o Estado vai agir com rigor. E com todos os meios de que dispõe, imporá a ordem pela força. Assim é preciso e assim vai ser.
Está certo que os guaranis uma vez eram donos de boa parte do Sul do País. Que outros índios, também lá em Roraima e alhures, detinham a posse do resto. Mas isso foi quando os portugueses aqui chegaram, há mais de 500 anos. Não podem eles agora querer tudo de volta. Até porque vai faltar índio para tanta terra. Olhando mais para trás, estão Adão e Eva. Em tese, eles eram donos de todo o globo antes do pecado no Paraíso. Como descendemos dos dois (ao menos na lenda), em tese também somos todos herdeiros da Terra. Índios, brancos, mamelucos, peles-vermelhas, caras-pálidas e cafuzos. Um pedaço para cada um, e basta.
A ordem que até aqui vinha sendo ameaçada pelos sem-terra no campo e pelos traficantes nos morros urbanos, agora está sendo afrontada também pelos índios. Ou pelos que se descobrem índios. Até aqui, sob a completa leniência do Estado. Há diversos focos de tensão, do Rio Grande do Sul ao Amazonas. Mas o confronto do Mato Grosso do Sul, em área considerada de fronteira, foi longe demais. Ali, um exército de proprietários de terras está armado contra outro exército de índios que falam e entendem a mesma língua dos brancos. Escaramuças, agressões, bloqueio de caminhos e até luta corporal já foram registrados ao longo de semanas de tenso enfrentamento. Meia dúzia de policiais encurralados, era tudo quanto o Estado tinha colocado para a indispensável garantia da ordem pública.
O ministro da Justiça demorou (na verdade, a demora deve ser debitada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a cada dia se revela mais duvidoso em questões que exigem decisão rápida e pronta) a tomar pé da situação. Mas resta o consolo de ter anunciado uma ação firme e conclusiva: o Estado pagou um boi para entrar na briga e agora pagará todas as boiadas para só sair dela com o caso resolvido. Completamente. Aos dois exércitos beligerantes, outro exército se junta – o da polícia, armada de tudo quanto tem direito: de helicópteros a geradores de energia para garantir atividade noturna, aviões, armas e até hospitais, em caso de tragédia, se houver desobediência.
Aliás, no anúncio da megaoperação que marcou o encerramento do tempo de negociação (que também não houve), cunhou-se o entendimento segundo o qual “os indígenas estão agora em estado de flagrância por desobediência civil”, como diz o superintendente regional da Polícia Federal, Wantuir Jacini. Eles podem ter alguma proteção constitucional dentro de algumas circunstâncias, mas com certeza entendem o que significa dizer desobediência.
O Brasil dos índios e imigrantes de todas as partes do globo, negros, brancos, amarelos e de qualquer cor, é uma única e rica nação. Que a todos subordina sob as mesmas leis. Fazê-las cumprir é, também, obrigação do Estado.