Esse sonho ainda está distante e talvez nunca se realize. Essa busca em redefinir as funções do Estado reduzindo àquelas ditas essenciais, tem como conseqüência a prioridade e necessidade de uma política de privatizações, que é onde se centraliza toda a estratégia deste sistema; assim o Estado, não só vende sua participação em empresas estatais, bem como deve se afastar de seu controle.
A idéia da privatização é ampla: universidades estatais, educação fundamental, média e superior, sistema de transportes, sistema previdenciário, energia, saúde, sistema penitenciário… Procura retirar do governo as políticas relacionadas à cultura, esporte, e artes. O neoliberalismo, é centrado no mercado, prometido pelo sistema neoliberal mas escamoteado de sua realidade maior, pois nele é que se encontram as raízes da exclusão e da desigualdade.
Perry Anderson propõe três lições para o combate ao neoliberalismo: não ter medo de estar absolutamente contra a corrente política do nosso tempo, não transigir em idéias, nem em princípios, e não aceitar nenhuma instituição estabelecida como imutável. Mas, paralelamente a esta luta, é preciso demonstrar as conseqüências graves que atinge a maioria da população: a primeira é a implantação da desigualdade, pois o mercado não aponta as soluções para os graves problemas de saúde, moradia, educação, trabalho e alimentação. A segunda é a noção de propriedade que com as privatizações dos serviços e indústrias estatais, fez com que o povo deixa-se de ser e de sentir proprietário do patrimônio nacional, que vai passando para as mãos de grupos internacionais, que não se identificam com os sentimentos nacionais nem tampouco com a nossa história e das nossas empresas. A terceira conseqüência é a instalação de uma falsa democracia, apoiada no discurso de representação pelo voto, onde os vencedores são os que usam o poder econômico, a máquina do governo e os meios de comunicação, nas mãos de capitalistas ortodoxos.
O imperialismo antigo dos territórios nacionais está sendo substituído pelo imperialismo geral de idéias, com o objetivo de garantir a segurança das zonas de rentabilidade e de apropriar-se das reservas estratégicas de matéria prima. Se hoje vivemos livres dos generais foram eles substituídos pelos ministros da economia e pelos planos econômicos que matam milhões com a miséria, desemprego e perda da esperança, cresce um sentimento generalizado de que a maior parte da população é lixo, como observa Luis Verríssimo.
Essa hegemonia deixou como legado uma sociedade heterogênea, fragmentada e desigual, onde se estabelecem dois universos distintos, como observa Atílio Borón: uma grande burguesia e uma massa de marginais, onde não há ponto de contato entre eles. Como inserir no mercado alguém que não pode ir à escola, que nunca consultou um médico, que mal se expressa, que vive na rua e dorme embaixo de marquises, alguém que nem explorado pela capitalista pode ser.
O discurso que ouvimos é o de que a sociedade é competitiva que vencem os melhores, a apologia da filosofia do “salve-se quem puder”, alternativa planejado pelos teóricos visando enfraquecer os sentimentos de solidariedade e o esforço coletivo de organização e de representação. Somos obrigados a reconhecer que sua grande estratégia é a capacidade do neoliberalismo impor suas idéias construindo um senso comum, onde essas idéias são defendidas por pessoas comuns medianamente sensatas, como observa Gentile ; se por um lado a argumentação vem do senso comum, a contradição está no próprio cidadão que vê a realidade, mas não entende sua real causa.
A realidade está na nossa vista e na nossa preocupação: crescimento da violência urbana, desemprego maciço, fragmentação social, perde das ideologias dos partidos políticos, descrédito nos políticos, autoritarismo do executivo, descrença e morosidade da justiça, corrupção generalizada, falência da polícia, impunidade às elites, rigor com os pequenos delinqüentes. Uma democracia, como diz Borón, “reduzida a uma fria gramática do poder, expurgada de seus conteúdos éticos”.
No caso brasileiro existe uma oligarquia reacionária instalada na maioria do Estados, onde os poderosos se apossam do poder público para beneficiar a iniciativa privada própria ou de seus correlegionários, se sentem imunes ao poder judiciário, desrespeitam o legislativo quando não atendem seus interesses e aliam-se ou comandam o executivo de maneira arbitrária ditatorial.
Mas é na educação onde o efeito neoliberal mais deixa seqüelas. Há um falso argumento de que a crise na educação é uma crise de qualidade, onde se explica a exclusão e discriminação pela ineficácia, incompetência e falta de eficiência do estado em gerenciar políticas públicas. A solução neoliberal está na construção de um mercado educacional, onde a qualidade da educação mantém a hegemonia através de uma política de incentivo, competição (individualismo) e na articulação de um sistema de prêmios e castigos baseado no mérito e esforço individual; a escola e o mercado funcionariam como dispositivos essenciais para a seleção dos indivíduos.
O Estado neoliberal ao definir os conhecimentos que devem ser ensinados transforma a cultura em mercadoria, onde detentores do chamado capital econômico têm mais chances de deter também o capital cultural, e poder até dispensá-lo, pois o título escolar constitui moeda fraca cujo valor total só se faz sentir nos limites do mercado escolar.
A escola continua sendo uma forma de violência simbólica no reforço do poder e na seleção das elites, pois a cultura transmitida favorece os já favorecidos, e ao tratar todos iguais sanciona as desigualdades e as reproduz, assim mantém a dominação e a legitima como já demonstrou Pierre Bourdieu com sua teoria de reprodução. Ou seja, a escola terá finalidade dupla: contribuir para manutenção da classe dominante e fornecer a si mesma seus instrumentos para sua própria reprodução e, isso, só é possível eliminando as classes dominadas da participação no saber ou autorizar que um pequeno grupo dele possa participar, aceitando a aparência de saber que a escola é obrigada a transmitir.
Os países que adotam o sistema neoliberal se tornam mais pobres, mais excludentes, mais desiguais, onde os melhores acabam sempre sendo os pertencentes às elites que monopolizam o poder político, econômico e cultural, nas sábias palavras de Pablo Gentile.
Luís Fernandes aponta o caminho: continuar trabalhando as múltiplas contradições econômica, sociais e políticas que o projeto neoliberal acarreta e agrava.
Carlos Ehlke Braga Filho é médico e Mestrando em Educação da Universidade Federal do Paraná