Diz o governo que está disposto a negociar com os cerca de 1,8 milhão de aposentados e pensionistas com direito a reposição de seus benefícios. Mas, além de cortar o índice devido para menos da metade, propõe pagamento a perder de vista – em quatro ou cinco anos. Maioria dos aposentados poderá, assim, chegar no final da corrida vital (ou até abreviá-la por falta de recursos) sem ver a cor da grana.

O governo, através da (in)sensibilidade já conhecida e reconhecida do ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, imagina clima para repetir o acordo do FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, feito ao tempo de Fernando Henrique Cardoso. É uma proposta indecente. Aqui o público é outro, os direitos são outros, a finalidade social é outra. E também os tempos e o governo são outros. Tivesse o mínimo de vergonha, mandaria pagar. Na e íntegra ponto final.

Os valores a serem desencaixados são altos. Cerca de 12,8 bilhões de reais, é o que diz o Planalto, provavelmente dramatizando ao máximo o problema para justificar sua atitude. Coisa surrupiada dos próprios aposentados quando seus benefícios deixaram de receber a correção integral devida. Pagaram a vida inteira e descobriram que foram roubados. Agora – como ocorreu em outros planos e acertos – enquanto os aposentados e pensionistas reivindicam o recálculo de seus benefícios pelo Índice de Reajuste do Salário Mínimo (IRSM), o que daria 39,67% de diferença desde 1994, o governo quer aplicar apenas o índice de 15,2%. E, mesmo assim, com pagamento parcelado em até quatro anos (inicialmente propunha cinco).

Os beneficiários, como era de se esperar, não aceitam. Querem o pagamento em uma única parcela para os que têm para receber até 500 reais e já contam 70 ou mais anos de idade. De resto – e para que ninguém diga que há intransigência -, cacau na mão até, no máximo, o ano de 2006. É que pessoas em idade avançada geralmente têm pressa. Não podem suportar a idéia de estarem sendo enganadas no final da vida. Que sequer sabem até quando vai durar.

É vergonhoso só imaginar o que está, na mais crua realidade, acontecendo. O Brasil, que descuida da infância e da velhice – os extremos de uma sociedade injusta e inconsciente de seus ingentes desníveis -, regateando os tostões que deve a beneficiários idosos de uma Previdência imprevidente. Gente como Antônio Palocci, José Dirceu, Guido Mantega, Ricardo Berzoini e, entre outros tantos, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deveria reler seus próprios discursos. Mudariam de idéia. Envergonhados.

Dizer que a negociação assumirá legitimidade e terá caráter justo se confirmada pelo Sindicato Nacional dos Aposentados, chamado à lide, é outro disparate. Certos direitos não podem se transformar em objeto de negociação sem esconder a injustiça inerente à proposta de barganha. Quando é credora de impostos, taxas e tributos, a União não tem paciência, não barganha nem perdoa. Assim age a Receita Federal; assim, o INSS e todas as tesourarias dos três poderes -exatamente porque o dinheiro não lhes pertence, é de todos.

Ademais, o episódio em tela, por ser repetição de filme já visto, consolidaria o princípio segundo o qual a União se vê no direito de espoliar para depois negociar. De negar direitos, para depois barganhá-los, concedendo-os, como se favores fossem, a conta-gotas. Sem a dispensa, inclusive, da faca no peito com prazos exíguos (como vimos no primeiro round) para os que, dispostos, foram bater às portas da Justiça.

Quando Lula disse que levaria para o governo sua vasta experiência de negociador, não era exatamente isso que deixava entender. Sua negociação deverá ser entabulada com outros interlocutores. Esse tipo de negociação com aposentados e pensionistas é um esbulho. Isto é, outro roubo.

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