Passados quase 4 [quatro] anos de vigência da Lei 11.101/05 – que trata da falência e da tentativa de superação da crise da empresa e do empresário -, e estando o mundo mergulhado em complexa crise financeira, a hora é de refletir a respeito dos desafios que tal lei tem [e terá] para colaborar, por assim dizer, com a preservação da empresa e sua manutenção no mercado competitivo.
Entrementes, os indicativos de que a lei não vem sendo um bom negócio para a entidade mergulhada em crise estão à evidencia. Por outro lado, ainda não se viu no Brasil uma empresa que pediu a tutela estatal, cumpriu rigorosamente com suas obrigações e retornou ao mercado, pois na grande maioria dos casos judiciais de reorganização a empresa foi transferida, cindida etc., sem descuidar até mesmo do curto período de vigência da lei ora em comento.
Ainda não se viu uma empresa que passou pelo processo de reestruturação e voltou para o mercado competitivo. Mas desde logo cabe aqui colocar em relevo o fato de que o cenário econômico [a contar de setembro/2008] vem demonstrando que o número de empresas inadimplentes cresce assustadoramente(1); essas mesmas empresas mergulhadas em crise estão com o pires na mão diante das portas fechadas das instituições financeiras, que não concedem crédito; quando existem operações bancárias, o spread é elevado; foram reduzidos os prazos dos contratos de financiamento; houve abrupta queda de produção e demanda, e em relação a significativa parcela de empresas inexiste capital de giro necessário ao impulsionamento da atividade econômica, estando tais entidades à beira do abismo chamado falência.
De fato, as empresas aqui sediadas não estavam capitalizadas no momento em que a crise surgiu em Wall Street, e alguns economistas de ponta mudaram o discurso e começam a falar em desglobalização(2), sendo não menos certo que o cenário econômico que se avizinha não é dos mais promissores, também em relação ao Brasil.
Num passado bem ressente era proibido falar em desglobalização, mas diante da crise instaurada, já se começa rever o modo de produção capitalista. Muitas empresas estão diante da crise, não encontram remédio próprio e eficiente para estancar a série de problemas financeiros ocorridos, e algumas importantes e tradicionais montadoras passam por momento delicadíssimo, para dizer o mínimo(3).
Com efeito, só nos dois primeiros meses do ano de 2009 constatou-se que 135 [cento e trinta e cinco] empresas pediram a tutela estatal [recuperação judicial] nos foros brasileiros, sendo que em igual período de 2008 o número era de apenas 34 [trinta e quatro](4), e a verdadeira avalanche de novos pedidos é um aspecto que preocupa, dadas as graves repercussões sociais que uma eventual falência pode gerar. A lei, por si só, não recupera nenhuma empresa em crise.
A lei exerce um importante papel perante a sociedade, mas não pode ser incensada como verdadeira tábua de salvação no que diz com a empresa considerada irrecuperável, por exemplo. Há estreitos e bem definidos limites para a tentativa de soerguimento e não sendo possível a reestruturação e saneamento, a falência é o único caminho, considerando a necessidade de mantença do mercado.
Afastado o caso de reorganização judicial considerado como simbólico e que teve repercussão em todo o país, dadas as suas evidentes peculiaridades, sem descuidar que, de fato, se trata de empresa ímpar, agora é o momento de verificar se a Lei 11.101/05 pode, de alguma forma, colaborar para a superação da crise empresarial.
Mais do que tudo isso, e em sendo analisada a Lei 11.101/05 cientificamente, entende-se que carece ela de urgente, ampla e necessária reforma, pois possui em seu contexto alguns dispositivos totalmente fora da realidade empresarial; outros são um verdadeiro contrassenso e muitos não têm qualquer razão de ser, diante dos equívocos evidentes, levando-se em conta [até mesmo] a retórica exacerbada.
Considerando o pequeno espaço, não é possível se estender em tão palpitan,te tema, mas cabem algumas singelas considerações a respeito de dispositivos legais que merecem, como dito, urgente revisão por parte do legislador ordinário.
Primeiramente, o artigo 57, em síntese, estabelece a necessidade de a empresa/empresário juntar, após a aprovação do plano de reorganização, certidões negativas de débitos tributários, artigo esse que de fato não merece ser considerado pelo intérprete autêntico quando da análise do caso concreto, levando-se em conta a indisfarçável disparidade entre a letra fria da lei e a situação da empresa mergulhada em crise.
Crê-se, pois, que, em tempos de crise financeira, é difícil encontrar uma empresa sem qualquer pendência de ordem fiscal. O artigo de lei carece de imediata revogação, pois em dissonância com a realidade vivida pela empresa em crise.
Evidentemente que a ausência de juntada de certidões negativas com o conseqüente descumprimento da lei – de fato não poderá ser óbice à concessão da recuperação judicial, até mesmo porque do processo reorganizacional não participa a entidade fiscal [cf. art. 6.º, §7.º da lei em comento].
Outro texto que merece imediata revisão é justamente o art. 49, § 3.º, pois inexoravelmente prejudica o andamento regular da recuperação judicial. Em linhas gerais, estabelece tal artigo que não farão parte da recuperação judicial os credores por contratos de arrendamento mercantil e alienação fiduciária etc., sendo não menos certo que em sede de reorganização judicial prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa, bem como cabe observância rígida das cláusulas contratuais.
Durante o prazo de suspensão das ações que dizem com o interesse jurídico do devedor em crise [quando réu], suspensão essa que é de apenas 180 [cento e oitenta] dias(5), é certo que tais credores não poderão retirar ou vender os bens objeto de ditos contratos bancários. Ora, as empresas invariavelmente possuem dívidas bancárias, considerando a necessidade de capital de giro.
É de todo evidente que em grande parte dos instrumentos contratuais as empresas se veem obrigadas a entregar bens em alienação fiduciária e diariamente formalizam instrumentos de arrendamento mercantil, sendo isso mais do que corriqueiro na atividade econômica. Portanto, as garantias exigidas por quem dispõe de recursos [as instituições financeiras] são invariavelmente reais, e não pessoais.
Por que não suspender o curso de tais ações durante o processo de recuperação judicial? Quem, de fato, se sujeita a tal processo, caso lido com atenção e isenção de ânimo o artigo 49? O parágrafo quarto do mesmo artigo também estabelece que os valores entregues ao devedor, valores esses passados ao devedor em decorrência da assinatura de contrato de câmbio para exportação, serão passíveis de pedido de restituição em sede de reorganização judicial, observado o regramento próprio [a contar do art. 85, que traça regras próprias a respeito do pedido de restituição em falência].
Em se tratando de companhia aérea mergulhada em crise também sofrerá sérios efeitos jurídicos no processo de reestruturação. Isso porque o art. 199 [e seus parágrafos], estabelece que poderão ser exercitados os direitos derivados de locação, arrendamento mercantil ou de qualquer outra modalidade de arrendamento de aeronaves, direito esses cujos titulares exercitarão mesmo quando da suspensão das ações outras envolvendo os interesses do devedor; os créditos previstos em tal dispositivo não submeter-se-ão aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo [sempre, segundo a lei] todas as condições contratuais estabelecidas.
Portanto, e em resumo, são colocados em relevo, inequivocamente, os direitos de propriedade sobre a coisa, mesmo durante a suspensão das ações ajuizadas em face do devedor.
Note-se que é de todo evidente que o legislador nacional se inspirou no modelo estadunidense de reorganização empresarial [Bankruptcy Code, de 1978, e alterações], ma,s esse mesmo legislador pátrio não importou institutos importantes para que a crise empresarial seja estancada, tanto quanto possível. Não houve a importação da automatic stay, instituto essencial para que se chegue a uma solução global da crise.
E os artigos da lei brasileira ora enfocados afastam de vez o instituto norte-americano, pois permitem o livre acesso ao Poder Judiciário, por parte de determinados e seletos credores, que detém em suas mãos contratos com garantias reais.
Nessa esteira, conforme ensina Jorge Lobo, a automatic stay é justamente [à] a suspensão temporária dos pagamentos das dívidas e das ações de execução, que, posteriormente, serão liquidadas de acordo com o plano de reorganização(6).
Destarte, a lei brasileira, sem qualquer dúvida, beneficia alguns credores e coloca os interesses de outros completamente à margem, possibilitando que aqueles busquem o recebimento de seus créditos de uma forma bastante preferencial em relação a estes.
Por outro lado, se a reorganização judicial no Brasil pode ser considerada como um fôlego ao devedor em crise, a suspensão automática deveria ser em relação a todos os seus credores, se se quiser adotar o princípio da equidade(7). Necessário, então, que se pense na automatic stay também em relação aos credores previstos nos arts. 49, §§3.º e 4.º, bem como naqueles credores que detém as garantias reais previstas no art. 199, todos da Lei 11.101/05.
Aqui também seria o caso de estender a suspensão automática também em relação às execuções fiscais [art. 6.º, §7.º], pois é certo que o Fisco não participa da reorganização judicial, tendo o direito de, livremente, iniciar ou mesmo dar prosseguimento regular a tais processos, o que sem dúvida alguma pode criar prejuízos ainda maiores à entidade em crise e à própria reorganização judicial com um todo, ignorando-se totalmente os objetivos previstos no art. 47 da mesma lei.
Entrementes, o hermeneuta não ignora os riscos que envolvem a automatic stay, que de fato pode servir de barganha ao devedor em crise, pode sem dúvida servir de álibi, pode servir de estratégia para fortalecimento financeiro deste devedor, especialmente quando da negociação do plano com credores.
E nesse passo escreve Juan E. P. Vial, com propriedade, que a experiência norte-americana a respeito da eficácia do Capítulo 11 para a resolução da crise empresarial tem sido objeto de muita controvérsia e grandes abusos, e, contrariamente ao que se poderia pensar, a maioria dos pedidos de Capítulo 11 se presta para gozar dos benefícios da suspensão automática, mais do que para obter realmente um plano de reorganização.
E na maioria dos casos, os credores são lesados. Em geral, todos estes procedimentos pensados em utilidade da empresa, resultam ao final em muitos danos para outras empresas; as dos credores. São muitos os expertos que têm pedido para a eliminação dos sistemas forçados de reorganização que não são capazes de se impor sobre as bondades naturais que um devedor pode oferecer aos seus credores(8).
De qualquer forma, não obstante os acertos que demonstram certa preocupação em relação ao instituto em foco, entende-se que a automatic stay se traduz em verdadeira necessidade a fim de que sejam estancadas, mesmo que provisoriamente, as demandas em que o devedor figure como réu, demandas essas que podem resultar na retirada abrupta de bens [via liminar] e contribuir para a esse mesmo devedor, em crise, seja compelido a uma retirada definitiva do mercado. Não é esse o propósito da lei, considerando os ditames do art. 47.
Há ainda [muitas] outras incongruências e impropriedades contidas na lei falencial ora em foco. Cite-se como exemplo o tratamento diferenciado em relação a micro e pequena empresa.
A elas o legislador ordinário destinou apenas três artigos [a contar do art. 70], artigos esses totalmente fora da realidade. Ora, segundos dados fornecidos pelo IBGE, 99,2% das sociedades empresárias que aqui operam são justamente as micro e pequenas empresas, as quais empregam mais de 14 milhões de pessoas(9).
Tais entidades, evidentemente, são importantes para o impulsiona,mento da economia nacional. Sem dúvida nenhuma tais empresas são o verdadeiro motor que dá vida à atividade econômica no país, mas infelizmente esse importante e indisfarçável aspecto não foi percebido pelo legislador quando da edição da Lei 11.101/05.
Não obstante os termos da Lei Complementar 123/2006, é incoerente o tratamento que tais entidades receberam quando da edição da lei em foco. Ora, é certo que a micro e a pequena empresa, quando em crise, podem optar por alguns caminhos delineados na própria lei: podem buscar a negociação direta com credores, via recuperação extrajudicial; têm a possibilidade de composição direta com seus credores, sem pedir a chancela estatal [art. 167]; podem ainda optar pela recuperação judicial plena – que de fato possui em seu contexto maior envergadura -, e podem, por fim, buscar a tutela estatal via apresentação de plano especial de reorganização, previsto a contar do art. 70 da lei.
Ora, dificilmente uma pequena empresa terá outro caminho legal senão buscar o socorro do Poder Judiciário mediante a juntada do citado plano especial. Ocorre que a recuperação especial prevista em relação a pequena empresa, a bem da verdade, tem feições muitíssimo parecidas com a concordata preventiva, constante do ab-rogado decreto-lei de 1945. Primeiramente, e aí já se iniciam as incoerências do legislador, a empresa que se decidir pela apresentação de tal plano especial terá de pagar suas dívidas em 36 [trinta e seis] parcelas, com atualização monetária e juro de 1% ao mês. Também competirá à empresa em crise pagar a primeira parcela [das 36] no prazo de 180 [cento e oitenta] dias a contar da distribuição da recuperação.
Ou seja, a elas não foi dado o direito de apresentar outras alternativas, competindo-lhes simplesmente pagar as dívidas dentro de determinado lapso temporal. Ainda, há mais um inequívoco exemplo do tratamento diverso atribuído a tais entidades, que não terão o benefício de apresentar o plano de reestruturação para só depois iniciar o pagamento.
Ao plano sujeitar-se-ão somente os credores quirografários, ocorrendo a suspensão de eventuais demandas ajuizadas por estes em face do devedor. Os demais credores não sujeitos à recuperação poderão livremente continuar ou iniciar as ações, e dentre tais credores estão os trabalhistas, os fiscais, e assim por diante.
Nota-se que o remédio legal não colabora, de forma alguma, para a tentativa de superação da crise empresarial. É importante, então, que a lei seja revista, para que todos os credores do microempresário e da empresa de pequeno porte se sujeitem ao processo de recuperação, e não apenas os quirografários [fornecedores].
É importante conceder a tais empresas o direito de, mesmo quando da juntada de plano especial, apresentar outras alternativas para o saneamento [art. 50, por exemplo] que não só o puro e simples pagamento das dívidas em 36 vezes, tal como consta da lei. É importante, por fim, fomentar a atividade das pequenas empresas, para que possam tentar, quanto possível, superar a crise financeira.
Há ainda outro dispositivo legal totalmente equivocado, fora da realidade, que é justamente o art. 83, inc. I. Em síntese, consta de tal artigo que os créditos derivados da legislação do trabalho ficarão limitados ao pagamento – em sede de falência – de 150 salários mínimos por credor.
O excedente será considerado como quirografário. As razões apresentadas pelo legislador quanto a limitação se mostram, efetivamente, injurídicas. Não houve limitação de valor ao credor por acidente de trabalho, mas ele está junto com o trabalhista na hierarquia prevista no art. 83.
A limitação ao teto referido se mostra um verdadeiro retrocesso legal, sendo não menos certo que o legislador partiu de meras suposições a fim de decidir pela limitação.
E basta uma simples leitura de suas razões para perceber, sem grande esforço, que a alteração da lei é totalmente incorreta e prejudica os direitos do trabalhador.
Disse o legislador – quanto a necessidade de limitaç&,atilde;o do crédito trabalhista em falência – que tal limitação se fazia necessária justamente para evitar abuso freqüente no processo falimentar, pelo qual os administradores das sociedades falidas, grandes responsáveis pela derrocada do empreendimento, pleiteiam por meio de ações judiciais milionárias e muitas, frívolas, em que a massa falida sucumbe em razão da falta de interesse em uma defesa eficiente o recebimento de altos valores, com preferência sobre todos os outros credores e prejuízo aos ex-empregados que efetivamente deveriam ser protegidos, submetendo-os a rateios com ex-ocupantes de altos cargos(10).
Este é apenas um excerto das razões apresentadas pelo legislador para o fim de estabelecer o teto máximo. As razões do legislador, como dito, não são jurídicas para a limitação; ao final das contas o trabalhador pagará [sempre e inequivocamente] o preço pela mera suposição, pela mera conjectura do legislador no que diz com os eventuais desacertos do empresário; o legislador colocou na mesma linha os bons e os maus empresários; para o legislador o recebimento de mais de 150 salários mínimos na falência é algo incoerente com a realidade do trabalhador brasileiro; para o legislador, a suposição, a conjectura, têm inequívoco caráter de prevalência quando da elaboração da lei, quando se trata do credor trabalhista.
Olvida o legislador, por completo, que a crise empresarial nem sempre ocorre por desídia ou ato temerário do empreendedor, do proprietário; também olvida o legislador que a crise pode ser setorial ou mesmo sistêmica ou mesmo mundial, sendo não menos certo que crise iniciada nos Estados Unidos abalou a economia dos países, e os reflexos já podem ser contabilizados. O empresário nacional, por assim dizer, não teve culpa pela crise.
Olvida o legislador que a exceção [maus empreendedores] jamais se pode transformar em regra. O exegeta necessidade, sem dúvida, de uma paciência estóica para tentar descobrir o porquê [em termos jurídicos] de tal limitação a 150 salários mínimos por trabalhador, quando se sabe que nenhuma outra legislação falimentar brasileira nem sequer cogitou pensar em impor limites ao recebimento de créditos trabalhistas, se se analisar com cautela os textos editados nos últimos cem anos.
O artigo 83, inciso I, da Lei 11.101/05 ofende de forma frontal o princípio da proibição de retrocesso social, até aqui bem pouco explorado pela hodierna doutrina nacional.
No preciso sentir de J.J. Gomes Canotilho, a mudança ou alteração freqüente das leis (de normas jurídicas) pode perturbar a confiança das pessoas, sobretudo quando as mudanças implicam efeitos negativos na esfera jurídica dessas mesmas pessoas.
O princípio do estado de direito, densificado pelos princípios da segurança e da confiança jurídica, implica, por um lado, na qualidade de elemento objetivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, como dimensão garantística jurídico-subjetiva dos cidadãos, legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas(11).
Até poder-se-ia escrever algumas palavras a respeito do princípio maior da dignidade da pessoa humana; esclarecer que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano, e assim por diante.
Mas, diante do panorama político nacional relembre-se a hipótese levantada por Pietro Perlingieri, ao se referir às leis negociadas, onde a ética dos negócios prevalece(12).
É certo que o projeto de lei falencial dormitou nas gavetas do Congresso Nacional por mais de uma década, e não menos certo que os empresários [especialmente aqueles mergulhados em crise] aguardavam pela edição de uma lei moderna, coerente com a realidade da empresa nacional e que ao menos refletisse os anseios desses mesmos empresários.
Da forma como disposta a Lei 11.101/05 a empresa em dificuldades dificilmente sairá da areia movediça, permanecendo [quem sabe, para sempre] no atoleiro, caso conte somente com o apoio da lei para a tentativa de reestruturação e retorno ao mercado competitiv,o.
Ora, se de um lado o interesse do legislador é de que ocorra a redução do custo do crédito (as instituições financeiras, recebendo rapidamente em sede falimentar ou reorganizacional, poderiam [em tese] emprestar dinheiro mais barato às empresas, o que se nos parece um grande despropósito), por outro, é de todo evidente que os interesses dos trabalhadores não foram, de forma alguma, protegidos pela lei.
Há uma total dissintonia, há uma completa e indevida inversão de valores, quando se coloca na balança os interesses destes trabalhadores e os das instituições financeiras, essas sim superprotegidas em tais processos. E mais.
Se é certo que o trabalhador tem como único bem sua força de trabalho, tal como diz retoricamente o legislador em seu leque de razões justificativas para a edição da lei, cabendo integral proteção a esse mesmo trabalhador, não menos certo que o estabelecimento de teto para recebimento de crédito privilegiado em sede falimentar aguilhoa de morte o interesse da classe trabalhadora, que é justamente o de receber a totalidade dos créditos decorrentes da relação de trabalho, na classe própria, e não com valor residual a ser pago quando da satisfação do crédito quirografário.
Portanto, cabe afastar o teto estabelecido pela lei em relação ao crédito trabalhista em sede de falência, quer porque o trata de forma diferente em relação ao credor por acidente de trabalho, quer porque o princípio da proporcionalidade passa totalmente ao largo da argumentação apresentada pelo legislador, quer porque jamais houve na história falimentar brasileira qualquer espécie de limitador, quando o caso em mesa trata dos interesses do credor trabalhista.
Aqui foram objeto de análise [aleatória e exemplificativamente] alguns pouquíssimos artigos pinçados da Lei 11.101/05, e que merecem imediata revisão, sendo não menos certo que há outros dispositivos também passíveis de [re]análise por parte do legislador, dispositivos esses que serão comentados em outros escritos, oportunamente.
Por fim, não se deve descuidar de um aspecto importante, considerando o elevado número de pedidos de recuperação judicial, especialmente no início do ano de 2009.
Com efeito, caso a lei seja integramente mantida tal como disposta atualmente, entende-se que haverá, por assim dizer, inversão de propósitos, ou seja, primeiramente falar-se-á em falência e depois em reorganização [numa de suas modalidades], quando se sabe que o escopo da lei é que se tente, quanto possível, o saneamento da empresa em crise. Quando isso não for possível, que se decrete a falência, sem possibilidade de continuidade de negócio.
Notas:
(1) A respeito, interessante matéria publicada no O Estado de São Paulo, de 3/3/2009, B5.
(2) Folha de São Paulo, de 29/3/2009, B8.
(3) A propósito, importante matéria contida no O Estado de São Paulo, de 31/3/2009, B8, onde consta que o governo norte-americano colocou na parede importantes montadoras, a fim de que encontrem imediata solução para a crise financeira, sob pena de o cofre não mais ser aberto para fins de empréstimos.
(4) Conforme O Estado de São Paulo, de 6/3/2009, B5. Segundo informações contidas na matéria, os pedidos de reorganização dizem com pequenas e grandes empresas.
(5) Art. 6.º e seu parágrafo quarto.
(6) Da Recuperação da Empresa (no Direito Comparado). Rio de Janeiro:Lumen Juris, 1993, p. 121.
(7) CLARO, Carlos R. Dissertação de Mestrado (Unicuritiba [2008]) intitulada Recuperação Judicial:Sustentabilidade e Função Social da Empresa, p. 263.
(8) Derecho Concursal: El Convenio de Acreedores. 2.ª ed. atual. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 2004, p. 138.
(9) CLARO, Carlos R. Op. cit., p. 190.
(10) Apud CLARO, Carlos R. Revocatória Falimentar, 4.a edição. Curitiba: Juruá, 2008, p. 272.
(11) Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5a edição. Coimbra:Livraria Almedina, 2002, p. 259.
(12) Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução: Maria C. de Cicco. São Paulo:Renovar, 1999, p. 26.
Carlo,s Roberto Claro é advogado; professor [Adjunto I] de Direito Comercial, no Unicuritiba; professor na pós-graduação [lato sensu] da mesma instituição de ensino; mestre em Direito [área de concentração: Direito Empresarial e Cidadania] pelo Unicuritiba, e membro do American Bankruptcy Institute [Virginia – USA]