Por instantes, o silêncio habita todos os espaços e cores do ambiente. A mente se comporta como um daqueles moinhos antigos, cujas pás, ao rodarem sem cessar, impulsionavam engrenagens, que produziam os pensamentos mais desencontrados. A memória, qual um acrobata de feira, salta e se contorce, formando imagens desconectadas da realidade mais concreta. As palavras da narrativa ouvida mudam de posição na frase, cirandam em movimentos, ora harmônicos, ora desajustados. Algumas mais exuberantes ocupam o centro da roda e gritam sons agridoces, marcando sua presença.

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A lembrança, evocada por amores e viagens, encontros e desafios, esperteza e abandono, nutre-se com novas perspectivas e sentidos.

Ao final de cada história é a mesma tempestade interior. Como alguém que não os conhece, pode tratar com tanta intimidade aquilo em que acredita,e pode desvendar seus comportamentos e crenças, mesmo os mais discretos?

Na sala, o silêncio geral faz-se acompanhar pelo encanto geral. Os olhos, apenas eles, movem-se externamente: os corpos imobilizam-se na posição inicial, como se os ouvintes professassem um temor generalizado de que o mais leve movimento poderia decretar o final do enlevo.

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O contador de histórias pouco se movimenta, mas os olhos e as mãos giram o mundo. A voz que inunda a sala traz as modulações de tempos imemoriais para a sonoridade tumultuada do caos atual. Evoca sons originados em rodas em volta de fogueiras e fogões, em relatos de caça e contos de assombração, recupera a frase melodiosa das narrativas palacianas e dos dramas da pobreza, dá vida a animais e objetos, devassa as florestas e os castelos, infiltra-se por espaços proibidos, atravessa pátios e portas e aninha-se nos ouvidos das crianças, dos homens e das mulheres de muita imaginação.

Neste momento, as palavras-armadilhas capturam as mentes para falar de amores incompreendidos, que resultam em sangue e dor. Mas logo recuperam o sol e se põem a tratar de danças matrimoniais, de esperas de nascimentos, de anseios de felicidade.

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O contador reúne a variedade dos sentimentos e da reflexão humana sobre a vida e a morte quando transita, em seu contar, da esperteza dos maus e dos desvalidos para sobreviver. É a onça em busca do almoço, o camponês que engana a morte, o trabalhador que vence a exploração do patrão associal. Lições de vida, lições para a vida.

Num movimento imperceptível, o mar das histórias precipita-se pelas areias do inconsciente e o ouvinte se depara com o drama da luta entre o instinto e a razão, entre o desejo e a realidade. Príncipes e princesas bailam nos salões iluminados por encontros e desencontros das paixões. Pais e filhos se propõem a contratos de respeito e fidelidade, que são renegados no trato com os obstáculos da vida cotidiana. Maridos e esposas experimentam a força do vínculo que os une ao serem postos às provas da separação e do reencontro.

Enquanto o contador desfia essas histórias, um mundo de objetos mágicos, de ações recompensadas com encantamentos, de metamorfoses plenamente aceitáveis torna-se companheiro das personagens, e alimenta o desejo de apropriação dos ouvintes: ah, se eu tivesse aquele isqueiro mágico! Ah, se meu manto pudesse modificar de forma tão maravilhosa a minha vida! Ah, se a lâmpada maravilhosa pudesse trazer de volta meu amor!

Ciente de seu poder, o contador de histórias, malabarista e prestidigitador, remexe o baú de histórias e escolhe a última, para encerrar sua apresentação. Esta não nasce da magia tradicional: vem da força poderosa do estar vivo para criar. É a história do adulto que descobriu que as pessoas de carne e osso amam as histórias inventadas, porque elas ajudam a suportar o peso da vida, porque elas explicam seus mistérios, porque elas fazem vislumbrar a possibilidade de um mundo diferente e, quem sabe, melhor.

Assim, ao finalizar a apresentação, o contador narra sua própria trajetória, também ela um conto, uma razão, um desejo em ação, a busca do encanto.

A audiência em silêncio faz coincidir, em comunhão, desejo e busca.

Quem passou por ali, surpreendeu-se quando, de repente, explodiram na rua, vindos da janela aberta, um aplauso cadenciado e um pedido veemente: Conta mais uma!