Eu estava deitado quando senti algo se mexendo bem próximo à minha mão. Era um besouro, virado de barriga para cima. Fiel à minha obsessão de desvirar besouros, tratei de colocá-lo no chão na forma correta quando, para meu espanto (e por que não dizer horror), vi sair da penumbra uma aranha que, num golpe certeiro e fatal, agarrou e dominou o pobre inseto. Impotente para fazer qualquer coisa, e sentindo-me culpado por dar de bandeja o besouro para a víbora, apanhei um sapato e matei os dois, o besouro e a aranha. Fiquei triste por ter me investido do poder de decidir sobre a vida e a morte de duas criaturas. Percebi que, na verdade, éramos todos vítimas: o besouro por ser besouro (e não ter como se defender da aranha), a aranha por ser aranha (e não ter outro meio de sobrevivência) e eu por ser humano (e ter a consciência de que sou tão selvagem quanto o mundo natural que me cerca).
Essa história demonstra a outra faceta dessa conversa de delicado ecossistema. Dizem muitos: ?Como é sábia a natureza, cada espécie tem o seu predador, assim o meio ambiente mantém o seu equilíbrio!?; Ora, não vejo onde está a sabedoria em regular-se através da matança generalizada. Isso, visto à distância, é até curioso, mas entrar nesse ciclo para ser a comida já é outra coisa. E se nós também tivéssemos algum grande predador mais perceptível do que os microorganismos? Como algum dinossauro já extinto, por exemplo. Imaginem a cena: uma família brincando num parque (pai, mãe e seus três filhos) quando, de repente, o bichão investe contra as pessoas e, ali mesmo, come uma das crianças. Será que nos limitaríamos a dizer: ?Paciência, faz parte do equilíbrio da natureza…?; Seria tão esdrúxulo quanto pensar que as doenças, a fome e as guerras são também benéficas ao ecos-sistema porque evitam uma superpopulação humana.
Outra conversa chata é essa tal luta pela preservação das espécies em vias de extinção. Em que a vida de um mico-leão-dourado é mais importante do que a da galinha ensopada do jantar? A importância da vida não é medida por sua especialidade ou raridade. A vida é importante porque é vida, e pronto. A vida da galinha, para ela ao menos, importa muito mais do que a de qualquer macaco esquisito. Qual é a diferença de matar para comer e de matar por prazer? Para quem morre, nenhuma. A evolução das espécies baseia-se na eterna sobrevivência do mais forte e, infelizmente, muitas espécies já sucumbiram. Também não acho justo matar meia dúzia de simpáticos animaizinhos para fazer um casaco de pele, mas muito mais injustas são, obviamente, as milhares de mortes humanas violentas que acontecem todos os dias no mundo. O homem, politicamente correto, quer preservar as espécies desprotegidas, porém não cuida de preservar a própria. Talvez seja porque o ser humano ainda não esteja em vias de extinção…
Num derradeiro delírio, penso: por que a natureza não criou outro meio de sobrevivência menos sangrento e selvagem? Não poderiam as espécies alimentarem-se apenas do ar ou da água? A superpopulação do planteta poderia, quem sabe, ser evitada por um processo de esterilização natural, sei lá. Ao menos estaríamos livres desse nefasto mecanismo de sobrevivência, onde para um continuar vivendo é preciso que outro morra.
Nessa natureza madrasta, manter-se vivo até o final de cada dia é a grande vitória, inclusive a nossa.
Djalma Filho é advogado djalma-filho@brturbo.com.br