Natureza dos ilícitos criados pela EC 25

A Emenda n.º. 25, de 2000, introduziu na Constituição da República o art. 29-A, contendo regras destinadas a fixar teto à despesa das Câmaras Municipais. O § 2.º do mencionado preceito enquadra como crime de responsabilidade três inéditas condutas do Prefeito, infringentes desse mecanismo de controle. Assim, poderá suportar as respectivas penas o Alcaide que repassar, à Câmara de Vereadores, o duodécimo orçamentário (I) a maior, (II) em atraso ou (III) a menor do que o previsto.

Em julgamento pioneiro, o STJ entendeu que os ilícitos capitulados pelo art. 29-A, § 2.º, I a III, da CF/88, que eram tipificadas como infrações político-administrativas, passaram à categoria de crime por força da EC 25. Conseqüentemente, o julgamento dos indigitados "crimes" será de competência do Poder Judiciário (REsp n.º 606.230/PA – Rel. Min. Eliana Calmon – 2.ª T, DJU de 14/06/2004, in EJSTJ 40/131).

Interessante notar-se que a destacada decisão confronta jurisprudência sedimentada no âmbito do STF.

De fato, em 1994, o STF modificou a definição original das categorias sancionatórias dos Prefeitos Municipais estatuídas pelo Dec.-Lei 201/67. Os ilícitos descritos no art. 1.º como crimes de responsabilidade, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, foram reclassificados como crimes comuns, enquanto as infrações político-administrativas, catalogadas no art. 4.º, de competência das Câmaras Municipais, passaram a integrar a classe dos crimes de responsabilidade. Em resumo: o Dec. lei 201/67 rotulara defeituosamente as duas mencionadas ordens de delitos.

O acórdão antes referenciado exibe a seguinte ementa: "I – os crimes denominados de responsabilidade, tipificados no art. 1.º do D. L. 201, de 27/2/1967, são crimes comuns, que deverão ser julgados pelo Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores (art. 1.º), são de ação pública e punidos com a pena de reclusão e de detenção (art. 1.º, § 1.º) e o processo é o comum, do CPP, com pequenas modificações (art. 2.º). No art. 4.º, o D. L. 201, de 1967, cuida das infrações político-administrativas dos prefeitos, sujeitos ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato. Essas infrações é que podem, na tradição do direito brasileiro, ser denominadas de crimes de responsabilidade". (HC n.º. 70.671-PI -Pleno do STF – j. 23/4/94 – Rel. Min. Carlos Velloso – RTJ 159/152)

A partir desse "leading case", manteve-se inalterada a jurisprudência. (RHC n.º. 70.499-RS – 2.ª T., j. 13/9/94 – Rel. Min. Francisco Rezek – RTJ 156/541; HC n.º. 71.390-RO – 2.ª T, j. 21/2/95, – Rel. Min. Maurício Corrêa – RTJ 157/178; HC n.º. 73.210-PA -2.ª T., j. 32/10/95 – Rel. Maurício Corrêa – RTJ 159/632; HC n.º. 71.474-BA – 1.ª T., J. 8.11.94 – Rel. Min. Ilmar Galvão – RTJ 160/550; HC n.º. 71.699 – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU de 2/2/96, p. 850, este citado na RTJ 170/512). No mesmo sentido: RTJ 159/98; 169/153; 160/600; 160/668; 162/370; 170/512 e 173/880.

Estabeleceu também a Suprema Corte, consoante se verifica do despacho do Min. Celso de Mello, no Inquérito n.º. 1.015-DF (DJU de 30/09/96, p. 36528), que os "crimes comuns abrangem todas as modalidades de infrações penais (RTJ 33/950) alcançando, até mesmo, as próprias contravenções penais (RTJ 91/423) e estendendo-se aos eleitorais (RTJ 63/1 – RTJ 148/689 – RTJ 150/688)". Análogas decisões estão publicadas nas RTJ 148/32, 151/402 e 168/668.

Embora não se possa afirmar que outro efeito secundário estivesse nas cogitações do STF, o certo é que a focalizada mudança da nomenclatura daqueles ilícitos importou sintonizá-la com a classificação adotada pela Constituição Nacional. Esta, no art. 86, distingue entre crimes comuns e crimes de responsabilidade do Presidente da República, sendo aqueles julgados pelo STF, e estes, pelo Senado Federal. Ora, se os crimes de responsabilidade, enumerados pelo art. 85 da Carta Magna, cujos processos são conhecidos, instruídos e julgados pelo Congresso Nacional, imperativo concluir que, dessa peculiar circunstância, reponta a sua configuração político-administrativa. Revestem, portanto, natureza essencialmente diversa da dos crimes comuns e, ao mesmo tempo, dos chamados crimes próprios, os quais pressupõem o exercício de função pública.

Diante do que acima se expôs, não há dúvida de que as novas infrações descritas pelo art. 29-A, da CF/88, segundo a antiga redação do Dec. lei 201/67 caracterizariam infrações político-administrativas, ou seja, em conformidade com a renomeação plasmada pelo STF, são crimes de responsabilidade. Nesta hipótese, o julgamento do eventual infrator incumbe à Câmara Municipal, e não ao Poder Judiciário, diferentemente da exegese levada a efeito pelo STJ.

Reginaldo Fanchin é advogado em Curitiba.

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