Discutiu-se muito a respeito da natureza alimentar dos honorários advocatícios.
No Superior Tribunal de Justiça a jurisprudência estava se consolidando no sentido de que ?os honorários de sucumbência, por dependerem de êxito do causídico na ação, sendo, assim, de percepção aleatória e incerta, não podem ser considerados inseridos na mesma categoria dos alimentos necessarium vitae prevista no artigo 100, § 1.º, alínea ?a?, da Lei Maior (Precedentes: REsp n.º 329.519/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 21/11/2005; REsp n.º 653.864/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 13/12/2004; RMS n.º 17.536/DF, Rel. Min. José Delgado, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, DJU de 03/05/2004; e RE n.º 143.802-9/SP, Rel. Min Sydney Sanches, DJU de 09/04/1999)?. (2005/0022642-4 – REsp 724.693/PR – Min. Luiz Fux).
O mesmo Tribunal complementava:
Os honorários contratuais, por seu turno, representam a verba necessarium vitae através da qual o advogado provê seu sustento, ao contrário do quantum da sucumbência da qual nem sempre pode dispor, razão pela qual, em princípio, somente aqueles podem ser considerados de natureza alimentar?. (2005/0022642-4 – REsp 724.693/PR – Min. Luiz Fux)
Assim, apenas os honorários contratuais teriam a natureza alimentar.
Sucede, porém, e concessa venia, que a distinção entre honorários contratuais e de sucumbência não é possível, pois para todos os efeitos é uma coisa só.
A essência do instituto de honorários advocatícios é alimentar, porque é a verba de subsistência do advogado, seja ela contratual, seja provinda de sucumbência. Não é o fato de os honorários de sucumbência depender do êxito da causa (verba causal) que muda a sua natureza de subsistência do advogado, porque, em caso de êxito, apenas suplementa a verba contratual. De fato, tanto uma verba quanto a outra é que permitem a sobrevivência financeira do advogado. Por isso que ambas são de natureza alimentar, porque imprescindíveis à subsistência: necessarium vitae.
Impende observar que o fato de a verba de sucumbência ser aleatória não exclui o direito em si, tanto que no direito do trabalho há várias situações em que as verbas são aleatórias, porém não deixam de ser verbas salariais: comissões, prêmio de produção, assiduidade, dentre outras.
Acrescente-se, ainda, que muitas vezes não há verba contratual, porque o advogado pactuou apenas a verba sucumbencial. Outras vezes o cliente não quer correr nenhum risco, então propõe arcar com percentual mais elevado, porém fica concentrado o êxito da causa na habilidade e no desempenho do advogado e na complexidade da causa.
O que deflui da realidade é que muitas vezes há pacto da verba contratual e da sucumbencial; outras, apenas da última. Ora, não é pela forma de contratação que se analisa a natureza jurídica de um instituto, mas pela sua essência. Mesmo porque verba non mutant substanciam rei. Contratual ou sucumbencial, a verba honorária, em sua natureza, colima a mesma finalidade de subsistência do advogado. Em síntese: os honorários são o resultado do trabalho do advogado, sua sobrevivência.
Outrossim, não é pelos valores dos honorários que se analisa a natureza de um instituto. Ademais, não se sabe como o advogado foi sobrevivendo à espera daquele numerário para liquidar o elevado passivo em sua vida financeira. Ainda que assim não fosse, é com a verba honorária que o advogado sobrevive.
Evidencia-se que os honorários são o resultado do labor do advogado, e a garantia de sua subsistência e de uma vida digna. Infelizmente, alguns acabam afrontando a ética, pelas dificuldades financeiras que enfrentam. Se não é reconhecida a natureza alimentar nem é assegurado o privilégio que os honorários advocatícios devem desfrutar ante a natureza de outros créditos, isso significa o risco de impulsionar o advogado a condutas contrárias à ética.
Quando a lei quer um fim, dá os meios. O fim é a dignidade profissional; os meios, a retribuição pelo trabalho desenvolvido, consubstanciado nos honorários.
O Supremo Tribunal Federal consolidou tal entendimento no voto do ministro Marco Aurélio, que gizou:
?Salários e vencimentos dizem respeito a relações jurídicas específicas e ao lado destas tem-se a revelada pelo vínculo liberal. Os profissionais liberais não recebem salários, vencimentos, mas honorários e a finalidade destes não é outra senão prover a subsistência própria e das respectivas famílias? (RE 470407/DF -Min. Marco Aurélio).
Adiante enfatizou que ?os honorários advocatícios consubstanciam, para os profissionais liberais do direito, prestação alimentícia? (ibidem).
Ademais, o próprio sistema positivo brasileiro já considera os honorários como crédito privilegiado, o que significa colocá-los no mesmo nível do salário do empregado, tanto que o artigo 24 da Lei n.º 8.906/1994 diz claramente:
?Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
§ 1.º A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier.
§ 2.º Na hipótese de falecimento ou incapacidade civil do advogado, os honorários de sucumbência, proporcionais ao trabalho realizado, são recebidos por seus sucessores ou representantes legais.
§ 3.º É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.
§ 4.º O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença?.
Para afastar qualquer dúvida quando uma verba é de natureza alimentar, depreende-se do artigo100, § 1.º-A, da CF:
?Art. 100.
[…]
§ 1.º – A. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado?.
Salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, são remunerações. Umas são verbas salariais, outras indenizatórias, mas em todas há um componente que as identifica como ocorre com os honorários advocatícios: são necessárias à subsistência.
Mesmo as indenizatórias estão substituindo a verba salarial (porque houve morte, invalidez etc.), porquanto fundamentais à subsistência. Tal norma constitucional conduz a uma interpretação extensiva, porque foi explicativa, campo aberto, para situações idênticas, compreendendo em seu elemento teleológico os honorários advocatícios.A propósito, se referida norma constitucional reconheceu a verba indenizatória como necessarium vitae, que é o maximus, a fortiori em relação aos honorários advocatícios, seja contratual,seja de sucumbência, pois estes são minus em relação à indenização, que são retribuição pecuniária.
Insofismavelmente, o artigo 100,
§ 1.º – A, da CF, ao elencar diversas verbas de natureza alimentar também compreendeu os honorários advocatícios como natureza alimentar. Se dúvida houvesse, com a recente decisão do STF (RE n.º 470407/DF – Min. Marco Aurélio), não há mais.
Dirceu Galdino Cardin é vice-presidente da OAB-PR.