Natal em Marte

A primeira sonda da Agência Espacial Européia com destino a outro planeta – Mars Express -, de 1.120 kg, construída por um consórcio europeu liderado pela Astrium, foi lançada por um foguete Soyuz-Frégate, desenvolvido pela empresa russa Starsem, em 2 de junho de 2003, às 20h45 (hora de Brasília), do Centro Espacial de Baikonur, no Casaquistão. A ignição do estágio superior Frégate permitiu que fosse atingida uma órbita de espera ao redor da Terra. Uma hora e trinta minutos mais tarde, a sonda foi propulsionada em sua trajetória interplanetária. Através do Centro Europeu de Operações Espaciais (ESOC) da ESA, em Darmstadt, na Alemanha, foi possível verificar que a sonda se encontrava corretamente orientada em relação ao Sol, pois os seus painéis solares haviam se desdobrado convenientemente e que todos os sistemas de bordo funcionavam com perfeição. Dois dias depois, o centro procedeu a uma manobra de correções destinada a colocar a sonda em uma trajetória direcionada ao planeta Marte, enquanto o estágio Frégate, que a acompanhava, se perdeu no espaço sem o risco de contaminar o planeta, o que poderia ocorrer no caso em que viesse a se chocar com a sua superfície.

A sonda Mars Express se afastou, através do sistema solar, com uma velocidade superior a 30km/s (3km/s em relação à Terra), levando de carona a sonda britânica Beagle2. Após uma viagem de 400 milhões de quilômetros em seis meses, em 19 de dezembro às 16h30 (hora de Brasília), a Mars Express colocou em órbita de colisão com Marte o módulo de aterrissagem inglês cujo nome é uma homenagem à caravela Beagle, na qual o naturalista britânico Charles Darwin se aventurou em uma viagem ao redor do mundo e pelas famosas ilhas Galápagos, quando surgiram as idéias que lhe permitiram desenvolver mais tarde a teoria da evolução das espécies. Sem propulsão própria, essa cápsula de 60 kg, após cinco dias de vôo balístico, fará a sua entrada na atmosfera marciana no dia do Natal. Protegida por um escudo térmico e freado por dois pára-quedas, o módulo de aterrissagem pousará no dia 25 de dezembro, na região de Isidis Planitia, próxima ao equador marciano. O impacto no solo será amortecido por três airbags. Essa etapa crucial da missão não levará mais de dez minutos, desde a entrada na atmosfera até a aterrissagem.

Se tudo ocorrer como está previsto, a primeira missão espacial inglesa, ao atingir a superfície marciana, não será pioneira em seu objetivo de procurar traços de vida em Marte. Com efeito, duas sondas norte-americanas – Viking 1 e 2 -, destinadas à pesquisa de existência de vida, pousaram na superfície do planeta, respectivamente, em 20 de junho e 3 de setembro de 1976.

Após o pouso em Marte, a sonda Beagle será acordada por uma música de rock Blur, quando então começará a coletar e analisar amostras do solo do planeta, por meio de espectrômetros de massa, ou seja, por equipamentos capazes de identificar os átomos e as moléculas das amostras retiradas do solo marciano por um braço robótico.

Ao mesmo tempo, a sonda Mars Express será manobrada para se colocar em uma órbita ao redor de Marte. A ignição do seu motor principal vai assegurar a sua desaceleração e a entrada, de início, em uma órbita marciana muito elíptica. Quatro ignições suplementares serão necessárias para que a órbita operacional definitiva seja alcançada em 8 de janeiro de 2004 – na realidade, uma órbita quase polar percorrida em 7,5 horas, que permitirá a Mars Express se aproximar até 250 km da superfície do planeta.

Os instrumentos científicos que equipam a Mars Express foram desenvolvidos por diversos institutos de pesquisas europeus para estudar a topografia, a morfologia e a geologia da superfície marciana em alta resolução (2 a 10 metros/pixel); levantar uma carta mineralógica global e em alta resolução (100 metros/pixel) da superfície; estudar o subsolo marciano em escala quilométrica, com objetivo de detectar em particular os leitos de água ou de gelo; determinar a composição da atmosfera, estudar sua circulação e a sua interação com a superfície, o vento solar e o meio interplanetário.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, do qual foi fundador e primeiro diretor. Autor de mais de 70 livros, entre outros do “Anuário de Astronomia 2004”. http://www.ronaldomourao.com

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