Não dá vontade de chorar?

Narra um colega que, constituido, assumiu defesa criminal na Região Metropolitana de Curitiba. No processo havia outro réu que, por hipossuficiência, o juiz nomeou-lhe um advogado dativo (no Paraná não existe defensoria pública).

Além dos procedimentos rotineiros, o advogado constituido, para bem elaborar seu trabalho e requerer provas (defesa preliminar), se viu no dever de conversar com o outro defensor. Segundo narra, foi a experiência mais deprimente de sua vida profissional.

Ao chegar ao escritório do “dativo” e ao esclarecer o assunto, foi friamente atendido. Imediatamente pensou que o colega estaria com algum compromisso agendado, foi logo adiantando: “Estou aqui para tratarmos de um processo onde eu defendo um e o senhor outro acusado… Se não tiver tempo, volto outra hora…”

Identificando o processo pelas cópias que o advogado constituido portava, foi logo disparando: “Não conheço o acusado e atendo essas encrencas dativamente a pedido do juiz…” Muito bom, disse o visitante, embora esse dever seja do Estado, admiro quem se propõe a fazer o trabalho e, não querendo tomar ainda mais seu tempo, que provas vamos produzir? Qual a linha de defesa do seu cliente, já que ambos se reservaram ao silêncio na fase policial?

A resposta do “causídico” foi no sentido de não ter nenhuma linha de defesa; de não conhecer o acusado; de não ter interesse sequer em conversar sobre o assunto e que só falaria com o acusado no dia da audiência.

Em suma, observando mais tarde a “defesa preliminar” do dativo, o advogado constituido constatou que o mesmo não requereu qualquer prova, limitando-se, em poucas linhas, a negar tudo (defesa meramente formal).

Dia da audiência, no primeiro contato com o pobre acusado o “defensor” dativo, que, sem abrir o processo ou ter cópias dele, inclusive o aconselhou a confessar a prática do crime imputado sob o argumento de que o juiz reduziria a pena pela confissão… Em suma, não fez nenhuma repergunta para as testemunhas da denúncia, nem qualquer pedido de esclarecimento nos interrogatórios…

Tendo o juiz concedido prazo para as partes ofertarem razões escritas, veio o encerramento do ato. Em seguida, o juiz ao se despedir dos presentes e da escolta policial que conduzia os acusados, fez um registro: “fulano é um colaborador da justiça e atende dativamente incontáveis casos da nossa carregada pauta criminal…” Encerra sua carta indagando: “Não dá vontade de chorar?”

A resposta está não somente no EOAB, como violação dos indeclináveis deveres profissionais (severa punição), como no Código Penal, em seu artigo 355, que preceitua: “Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado” (pena até 3 anos).

Sem dúvida, uma farsa processual! Embora a Súmula n.º 523 do STF considere “anulável o processo”, o pobre que não teve sequer defesa de fato, em Estado que não tem defensoria, terá como arguir nulidade e provar tal prejuízo em instâncias superiores?

Emerge, da narrativa, destoante visão que acentua injustiças e desigualdades sociais, onde dar a cada um o que é seu significa assegurar aos ricos as suas venturas e aos pobres as suas misérias!

Elias Mattar Assad é ex-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
eliasmattarassad@yahoo.com.br

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