O presidente Lula não é bom profeta. Ele aconselhou os brasileiros a dormirem tranqüilos na noite do dia 31 de dezembro que, ao acordarem no primeiro dia do novo ano, o Brasil já não seria o mesmo. Primeiro, na noite do último dia do ano pouco se dorme. Segundo, esse passe de mágica não existe: o País continua o mesmo. E com os mesmos problemas do ano passado. A profecia não aconteceu.
É claro que o presidente falou, como quase sempre fala, por metáforas. E metáforas, como aquelas das antigas pitonisas, precisam ser interpretadas. Ocorre que a um governante é melhor a palavra simples e direta, sem rodeios, para que o povo saiba exatamente o que ele pretende dizer e onde (e quando) ele pretende chegar. E é bom, também, que deixe que os outros cheguem quando e onde melhor lhes aproveitar.
Do ano passado para este, segundo aprendeu o povo a duras penas, o novo já não assusta nem surpreende; a pobreza continua pobre e o desenvolvimento, encolhido. No Brasil dos juros altos ainda vale mais especular que produzir. A área social, apesar do retumbante programa Fome Zero, nunca esteve tão carente e o começo do paraíso prometido – segundo especialistas de plantão neste verão quase inverno – está distante ainda uns quatro anos. Estamos, por ora, enchendo os cofres públicos de impostos e construindo as bases do futuro. Só quem sobreviver, verá.
À falta de assunto melhor diante das expectativas criadas, a primeira reunião do ano em Brasília foi em petit comité. Alguns ministros se reuniram para construir o palco sobre o qual o presidente Lula pudesse cobrar, em vez de profetizar: cadê o crescimento? O que estamos fazendo para o Brasil crescer, conforme o prometido? Em Brasília, batem-se agora por medidas de impacto.
A falta de resposta, quem sabe, justificará a ação seguinte, que é a reforma do ministério, já dividida em duas etapas, para render mais no mercado das especulações (ou das negociações em torno de apoios e cargos). E a primeira etapa dessa reforma será motivo de nova encenação: já está agendada a primeira reunião da meia-nova equipe para depois da viagem ao México, lá pelo dia 13. Depois do México, vem a convocação extraordinária do Congresso, sem muito assunto em pauta, já marcada para ter início no dia 19. E depois disso, Índia, seus segredos, mistérios e seus encantos – outra viagem internacional, com escala insinuada em território europeu…
Como se vê, o governo-aprendiz se agita o quanto pode, calcula já ter passado pela agenda mais difícil desde que excitou os mercados com sua vitória, mas não consegue dissimular o mal-estar criado pelo retardo no cumprimento das promessas mais importantes. Dentre elas, o destravamento dos freios que impedem o milagre do crescimento econômico, base de tudo, incluindo aí a geração dos dez milhões de empregos – número já pequeno para a nova realidade. E não se diga, como Lula costumava dizer, que falta apenas vontade política. Vender mais carne, por exemplo, às vezes tem a ver também com a desgraça de terceiros. No caso atual, do mercado norte-americano, subitamente estraçalhado pela síndrome da doença da vaca louca.
É bem verdade que nossas exportações cresceram, no ano que passou, mais de 21% sobre o resultado obtido em 2002. Mas o governo Lula não pode repetir, também aqui, o que dizia o governo passado (exportar é o que importa; exportação ou morte!). Ele precisa cuidar do mercado interno, onde milhões de brasileiros, também filhos de Deus, esperam o que comer, onde morar, onde estudar, e aí por diante.
Se o ano novo chegou sem o brilho da profecia de Lula, as mudanças esperadas, mais cedo ou mais tarde, precisam acontecer.