Responda rápido: o que quer o Brasil e o que pretende o governo não significariam a mesma coisa? Do que sai das conversas entre próceres do PMDB e do Planalto, na negociação conduzida pessoalmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, percebe-se que não. Haveria uma clara diferença entre as duas coisas, pelo menos no entendimento do partido assediado, cujo líder no Senado, Renan Calheiros, depois de tomar um café de duas horas, domingo, na Granja do Torto, assegurou: “Votaremos tudo o que for de interesse do País, ajudaremos, mas não somos governo ainda”.
A importância está no “ainda”. O ex-maior partido do Ocidente está sendo namorado há tempo – e se deixa prazerosamente embalar pelas delícias do namoro – para integrar a base de apoio do governo no Congresso Nacional. O presidente Lula, que entende de negociação desde as rodadas sindicais onde forjou sua liderança, não desistiu desse objetivo, iniciado assim que foram conhecidos os resultados das urnas. No encontro domingueiro, como convém a namorados bem-intencionados, o casamento ficou mais próximo. Estavam lá, além de Calheiros, o presidente do Senado, José Sarney, e o líder na Câmara, Eunício de Oliveira. Duas horas de conversa e a certeza de que ainda antes do Carnaval poderemos ter novidades. Talvez um aceno de convite para as bodas.
Ninguém admite publicamente, mas o problema maior é que o presidente Lula não está disposto a mexer em seu ministério agora. Assim, o PMDB continua de fora do primeiro escalão do governo, onde queria estar desde o início, mas não soube se comportar como devia. Ficando de fora, não é governo. E, não sendo governo, seu compromisso por enquanto é com o Brasil, não com o governo. A diferença é sutil, mas existe.
O presidente Lula sabe muito bem o que significa isso. Seu partido passou a vida inteira alegando compromissos com as bases para negar apoio a propostas de outros governos que, por sua vez, também diziam estar comprometidos com projetos em benefício, unicamente, do povo brasileiro. Com a avalanche da bisbilhotice telefônica que se abateu sobre o PFL do aliado Antônio Carlos Magalhães, mais do que nunca os votos do PMDB assumem importância estratégica num governo sem maioria no Congresso – vital para a implementação das reformas prometidas, anunciadas e já cobradas pela sociedade com impaciência.
É verdade que o quebra-cabeças sobre o qual Lula se debruça tem a ver, não exatamente com as reformas – um consenso nacional – mas sobre o tipo de reformas que teremos. E é exatamente aí que balança também a opinião de eleitores e contribuintes. Nem tudo o que se dizia em palanque, durante a campanha paz e amor, está sendo feito no Planalto. Fato que justifica a pergunta inicial sobre as diferenças entre interesses da sociedade e interesses do governo. Não sendo eles coincidentes, o fisiologismo (seria exatamente isso?) em negociação com o PMDB, em vez de sadio e salutar, é abominável. Depois do casamento, normalmente se acentuam os defeitos, relevados ou escondidos durante o idílio do namoro. Seria, pois, muito importante à sociedade toda saber o que exatamente estão negociando Lula e próceres do PMDB. O que parece ingênuo namoro pode se configurar na consolidação de um tremendo golpe, já percebido pela elevação dos juros, adiamento da vigência da CPMF, descomunal aumento dos preços da gasolina e derivados de petróleo, inflação e coisas do gênero. Ingredientes de um casamento para o qual não seremos convidados, a não ser como pagantes da festança.
