Nada a esconder

Com seu prestígio popular em baixa antes do tempo imaginado, o presidente Lula inaugurou um novo comportamento: conversar com integrantes da imprensa de maneira informal, como fazem amigos no final do expediente. Fez a primeira vez na quinta-feira, num jantar em que bebeu – segundo se soube – dois uísques, fumou duas cigarrilhas e um charuto cubano. Gostou e recomendou à sua assessoria que organize encontros semelhantes com ministros, dentre os quais apontou Antônio Palocci, José Dirceu e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. “Todos têm que falar com a imprensa – disse – não tem o que esconder.”

Esse “nada a esconder” lembra sua antítese, o “nada a declarar” de uma vez. Meno male. Observe-se que o novo entendimento tromba, de cara, com ordens anteriormente dadas pelo mesmo e atual governo a respeito do trânsito de informações pelos labirintos do poder. Não está ainda esquecida a tentativa de impor no Planalto um canal de mão única para filtrar (e controlar) o que vaza para a mídia. Se, de fato, nada deve ser escondido, palmas ao presidente, e que assim seja. Mas há quem desconfie de outra motivação para o gesto de Lula, que já estaria a padecer do mesmo mal de que tantas vezes se queixou seu antecessor FHC: a solidão do poder.

Outros quinhentos seriam esses, entretanto. Por ora, o que importa é o que o presidente Lula pretendeu fazer passar à sociedade com um encontro em manga de camisa patrocinado para dezesseis selecionados jornalistas, na casa de um deles (quem pagou a conta?). Além da informalidade, quer dizer, tranqüilidade aparente, o presidente ensaiou algumas mensagens claras, dedutíveis a partir do que disse e dos assuntos selecionados para o exercício do dizer. Vamos lá.

Conceito número um: Palocci é o responsável pela condução da economia e tem total confiança do presidente. “Ele é meu amigo, meu companheiro, trocamos idéias e fazemos apostas.” Os integrantes da equipe econômica precisam ser durões mesmo, e ponto final. Subordinados de Palocci gozam da mesma confiança, já que são homens de confiança de Palocci. Nada mudará, portanto, nos rumos da economia, ululem quanto quiserem os companheiros do próprio partido, cada vez mais agoniados com a mesmice do discurso herdado do governo anterior. Não existe “plano B”. Mudar o quê? Lembrem-se das donas de casa: “Não podemos gastar o que não temos”. O resto é “achismo”. Lula não repetiu, mas já disse uma vez e basta: o tempo do “eu acho” passou; agora é “eu faço”.

O superministro José Dirceu? Nem tanto. É como um capitão de time, que vai lá e fala com o juiz. Mas pouco decide. Melhor, “é como um coordenador de uma campanha salarial, que ouve todas as comissões de fábrica e depois leva as reivindicações ao sindicato”. Deu para entender? Nesse clima sindical, ele bebe e respira política, ouve muitos, mas não manda mais do que os outros. Porque é igual aos outros. Mas – atenção! – louve-se a sua dedicação e lealdade. Ao chefe, é claro, por sua vez dedicado à nação.

É bis in idem, mas confiem: este ano vai ser melhor que o que passou. Os juros vão cair, a atividade econômica será retomada. Detalhe: com força. Sobre empregos, ao que parece, nada disse. Nem lhe foi perguntado. Mas querem saber quais os ministros que mais surpreendem o companheiro-chefe? Roberto Rodrigues, da Agricultura (rebelada contra os antitransgênicos), de novo Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento e das exportações, e Celso Amorim, das Relações Exteriores e viagens internacionais. Ah, falando em exterior, fiquem sabendo que Lula, apesar do discurso escrito ou de improviso, não quer passar por “antiamericanista” ou coisa do gênero. Bush sabe disso. A única coisa que queremos é “impedir o avanço da geografia imperial”. E nisso, acreditem, não estamos sozinhos. Até a próxima janta. Mas… “só eu vou beber? Jornalistas não bebem?”.

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