Nacionalismo às avessas

Neste mundo globalizado, no campo dos grandes negócios, não existem pátrias. As fontes de matéria-prima existem onde a natureza as colocou e o capital para explorá-las migra sem nenhuma atenção às tradições de amor a hinos e bandeiras, acalentando recordações históricas. O que importa é o lucro ou, no mínimo, o atendimento de necessidades inadiáveis ou indescartáveis. O lucro interessa a todos, mas sempre haverá quem tenha mais e melhores condições de obtê-lo, não raro explorando outros povos. E nem sempre estreitos laços políticos e ideologias semelhantes garantem a colaboração entre dois ou mais países, pois circunstâncias novas podem alterar tais relações e seus interesses, lidos e aprendidos nas mesmas cartilhas, se chocam ao invés de se complementarem.

Parece que é o que estamos assistindo agora, ao examinarmos os problemas que estamos enfrentando com a nossa vizinha Bolívia sob o comando do indígena e chefe cocaleiro Evo Morales. Evo sempre teve as simpatias de Lula e das esquerdas brasileiras, pois é, como o nosso presidente, um homem do povo e não das elites. É também um nacionalista e líder popular com coloração esquerdista. Aqui gritamos por muitos anos que ?o petróleo é nosso?. Eles, lá no país vizinho, repetem a mesma coisa: ?o gás é nosso?.

Só que a situação é diversa, pois interessa ao Brasil e mesmo ao seu governo nacionalista de esquerda sob o comando de Lula atuar como colaborador ou explorador das riquezas subterrâneas bolivianas, nem que para isso seja necessário aparecer como algozes dos próprios camaradas bolivianos. O nosso discurso nacionalista, neste caso, perde o sentido e até contraria o que sempre pregamos. Somos contra este mundo globalizado cruel, mas a favor dele quando nos enseja explorar o petróleo e o gás bolivianos.

A Petrobras, a nossa estatal do petróleo que, antes de algumas aberturas, sempre foi o símbolo da riqueza e orgulho nacionais, obra de entusiasmados que lutaram até mesmo no campo ideológico, como Monteiro Lobato, para a transformarem em realidade, investiu na Bolívia nada menos de US$ 1,5 bilhão, além de mais US$ 2 bilhões para transportar o gás boliviano para território brasileiro.

O clima começou a ficar azedo entre os dois países ideológica e politicamente companheiros, desde o final do mês passado, quando o ministro boliviano Andrés Solíz fez duras críticas à Petrobras e ao nosso governo. ?Todos são maravilhosamente amigos até que se toquem seus bolsos e se diga que é preciso aumentar o preço. Aí vêm as piores coisas que se pode imaginar?, disse Solíz.

O presidente Morales veio ao Brasil para a reunião do BID, um encontro cercado de ataques de grupos esquerdistas, e aqui repetiu suas posições ?nacionalistas? em relação ao petróleo e ao gás da Bolívia. Disse que aceita o Brasil como sócio, mas não como patrão. Os investimentos do Brasil no país vizinho estão suspensos ?por falta de diálogo?, como afirma o presidente da Petrobras. Estamos experimentando, talvez pela primeira vez, uma situação pesada e séria em que os ?slogans? de esquerda e nacionalistas, que tantas vezes repetimos, voltam-se contra nós. E neste detestado mundo global, ou atuamos como exploradores imperialistas, ou vamos ter um insuportável retrocesso no nosso setor de combustíveis, vale dizer, no desenvolvimento nacional. Ainda, um retrocesso ideológico. De progressistas, estamos nos transformando em vis imperialistas.

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