Na UTI é demais

Que a economia do Brasil não vai às mil maravilhas, todos sabemos por viver, sentir e curtir, não por ouvir dizer. Que tem gente preocupada com isso, idem. Mas daí a ouvir do presidente eleito ? como se ouviu nessa viagem que Luiz Inácio Lula da Silva acaba de fazer aos Estados Unidos para apertar a mão do presidente George W. Bush ? que nossa economia está na UTI, eis aí uma observação difícil de aceitar na boca de alguém que tem o cargo de chefe supremo de uma nação com as dimensões e recursos como o Brasil.

No entanto, foi o que disse Lula. Recordemos suas palavras, ao comentar o anúncio do nome de Antônio Palocci como ministro de seu governo: “Como a economia do Brasil está na UTI, coloquei um médico para ser ministro da Fazenda”. Quanto a colocar um médico numa atividade que nada tem a ver com a área da saúde ? onde parece lhe seria mais apropriado – nada a objetar. Poderemos ter um economista na Saúde, um desportista nos Transportes ou um jornalista na Agricultura. Sendo competente e trabalhador, é o quanto basta. Também não se questiona a capacidade de Palocci para o cargo que provavelmente nunca sonhara antes ocupar. O problema está na justificativa para a escolha de um médico, isto é, no fato de dizer que nossa economia está nos estertores. Significa o reconhecimento de que, de fato, estamos mal e que, portanto, têm razão os que não confiam. Que, conseqüentemente, razão também têm os que se aproveitam desse momento para ampliar as atividades da especulação financeira, carro-chefe da inflação que volta a tornar escuros os horizontes de nossas esperanças.

É bem provável que nunca mais alguém vai ouvir da boca de Lula um disparate desses. Foi uma escorregada tão impensada quanto inesperada, exatamente num momento em que um dos objetivos da viagem de beija-mãos era a de tentar dar uma acalmada nos mercados para frear a corrida altista da moeda americana que está corroendo o que nos resta de confiança no real. Se Lula, que é o presidente, considera que estamos de fato na UTI, o que estariam autorizados a pensar os outros, aqueles que já em tempos outros diziam que estamos na pior?

A comitiva do presidente eleito tratou de passar por cima da casca de banana sem escorregar, fazendo de conta que nada aconteceu. De fato, na esperança de que o episódio seja mantido longe da mídia, o melhor remédio é não comentar a gafe, não pelo menos em terras estrangeiras. Mas é também certo que tudo o que Lula disse e dirá, principalmente neste começo, terá um sentido especial e será esquadrinhado em todas as direções. Já o era enquanto candidato favorito; já o foi nos tempos idos de líder trabalhista e nos primeiros tempos de euforia pela vitória. Continuará sendo depois de formalmente empossado.

Para levantar a auto-estima dos brasileiros não é preciso caminhar na direção do “está tudo bem”. Não está, sabemos, e é por isso que a maioria resolveu mudar. Mas a um diplomata como precisa ser o presidente ? em ações e discursos -, certas palavras têm o poder de uma dinamite. A figura da UTI, no caso, é demais. Poderá o médico, em função dela, ver-se em apuros na tarefa de ministrar a dose da medicação adequada e na manobra dos apetrechos que mantêm o paciente vivo!

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