– ?Bom dia! Em que posso servi-lo??
– ?Bom dia. Uma informação, por favor. Era aqui a livraria do Antenor??
– ?Antenor????
– ?Sim, chamava Livraria Paratodos. O dono era o Antenor, deixa ver… Ah!, sim! Antenor Feitosa, um homem careca, largo sorriso, bigode fino e que lia sem parar, quando não estava de conversa com os fregueses.?
– ?Desculpe, mas não conheço. E olhe que trabalho aqui há mais de 15 anos…?
– ?É… pode ser que você não o tenha conhecido mesmo. Explico: eu morava na casa em frente, onde hoje está aquele estacionamento. Vinha quase todos os dias visitar os livros e seu Antenor. Estive fora, trabalhando, por quase vinte anos. Voltei agora para resolver uns assuntos de documentação e resolvi rever amigos, inclusive seu Antenor. Será que alguém desta livraria conheceu ou trabalhou com ele? Tem algum funcionário com mais tempo de casa do que você??
– ?Tem, sim. O Jorge. Ele cuida do estoque. Olha ele ali! Jorge! Ô, Jorge!?
Aproximou-se um homem beirando os 60 anos, alto, magro, olhar atento, óculos a acentuar a idade. Após a apresentação, o visitante indagou sobre Antenor. Jorge, mais que surpreso, emocionou-se.
– ?Como o senhor conheceu o Antenor??
– ?É que eu morava em frente à livraria dele…?
– ?Você é o Pedrinho? O menino dos livros pesados??
– ?Você lembrou!?, comovido estava agora o visitante.
– ?Por que voltou??
A pergunta abriu as portas da memória e das sensações. Juntos evocaram a primeira visita do menino, tímida e temerosa, os olhos pedindo para serem provocados, as narinas em busca de apreender o cheiro dos livros, as mãos inoperantes, prontas a dedicar-se ao prazer de escolher, folhear, deslocar, acariciar e sopesar os volumes que, com o tempo, foram se tornando mais pesados. Seu Antenor, com a experiência e o sentimento do encontro de um igual, fez-se o guia mais dedicado e paciente. As aventuras das narrativas de Salgari, Dumas e Jack London, o drama do Sem família e de Meu pé de laranja lima, a sensualidade juvenil de Romeu e Julieta, as grandes narrativas de Mika Waltari, Conrad, a Odisséia, os romances sociais e regionalistas, O apanhador em campo de centeio, Steinbeck e Hemingway, a alegria das comédias de Molière e Artur Azevedo, os dramas urbanos dos contos de Machado e Maupassant, a poesia de Castro Alves e Vinícius. Num crescendo, os livros foram chegando, desfolhando-se, partindo e voltando às estantes, prolongando-se em conversas e comentários.
Seu Antenor adotou o jovem Pedrinho, feito uma Dona Benta de calças compridas e bigode a Clark Gable.
– ?Onde está agora meu amigo??, inquiriu Pedro.
– ?Em casa?, respondeu Jorge. ?Vendeu a livraria quando pôde, um tanto desanimado. Não mais voltou ao lugar que deixou entre lágrimas escondidas, temperadas com o sal do tempo findo. Hoje, sozinho, quase cego, espera a ?indesejada das gentes.?
Pedro trocou algumas palavras mais, obteve o endereço de Antenor, comprou um exemplar de Uma vida entre livros, de José Mindlin, e dirigiu-se à casa de seu velho mestre de leituras, para, juntos, lerem mais uma história de amor aos livros e às pessoas que os lêem.
