Foi com espanto que tomamos conhecimento pela imprensa de item constante do projeto de lei complementar que visa uniformizar as regras do processo administrativo tributário estadual, elaborado por Grupo de Trabalho formado no seio da Comissão Técnica Permanente (Cotepe) do Conselho de Política Fazendária (Confaz).
Trata-se da disposição que veda a retirada dos autos das repartições.
Com efeito, é inconteste a tendência de jurisdicionalização daquilo que chamamos de “processo tributário não-judicial”, objetivo que é inarredável diante da garantia fundamental posta na Carta Política de 1988, cujo artigo 5.º, LV, enuncia que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. (grifamos).
Daí que, por imposição constitucional, não pode haver qualquer diferençação entre o processo judicial e o processo não-judicial, no que concerne à sua essência, isto é, no referente aos direitos das parte em sustentar suas posições e contraposições.
Por essa superior razão é que a Lei n.º 8.906/94, que rege a profissão dos advogados, cuja atividade tem status constitucional (pois que são eles indispensáveis à administração da justiçanos termos do art. 133 da Lei Maior), estabelece, em seu art. 7.º, XV, que são direitos do advogado ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais (grifamos).
É de estranhar, portanto, que altas autoridades fazendárias dos Estados lancem proposição com o teor daquela aventada no indigitado projeto de lei complementar, iniciativa que é natimorta no plano jurídico.
Só aqueles que se dedicam à advocacia sabem da imperatividade de puderem compulsar os autos de qualquer processo em condições outras e bem diferentes que aquelas ofertadas pelos cartórios judiciais, isto para não se falar das repartições fazendárias, muitas delas lamentavelmente destituídas da mínima estrutura necessária ao atendimento dos profissionais que representam os contribuintes.
Temos certeza de que a Ordem dos Advogados do Brasil irá repudiar, liminarmente, tal estapafúrdia e injurídica pretensão, adotando, se imprescindível, até mesmo as medidas judiciais cabíveis para o aborto recomendável desse monstro atentatório à garantia fundamental dos pagadores de tributos e à liberdade e dignidade do exercício da advocacia.
Que valha a experiência adotada no Estado de São Paulo, que admite a vista fora das repartições fiscais, em cumprimento ao mandamento constitucional, e, ao que consta, não sofreu qualquer dano por possibilitar a amplitude da defesa dos seus administrados.
Não se pode conceber retrocesso de tal jaez. Garantias conquistadas ao longo de séculos, consubstanciadas nos princípios do Estado Democrático de Direito, não podem ser amesquinhadas pelo “burocratês” de alguns poucos freqüentadores da chamada “Ilha da Fantasia”, que, às expensas dos contribuintes, tramam o vilipêndio de seus direitos.
Luiz Fernando Mussolini Júnior é advogado, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. Professor titular de Direito Tributário e vice-reitor do UniFECAP, mestre em Direito do Estado pela PUCSP.