Na Casa Branca

Comeram camarão e costeletas de carneiro. Um declarou-se entusiasta do outro. Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush pareciam dois velhos amigos. Pelo bem das Américas e dos povos das Américas, ricos e pobres. Mais dos pobres que dos ricos, pois a paz no planeta está vinculada ao sucesso da guerra contra a pobreza. Lula faz bem à candidatura de Bush; Bush é apoio indispensável à afirmação de Lula como presidente do Brasil que quer ser, também, o líder de toda a América do Sul. Os dois firmaram um comunicado conjunto que, lido com atenção, resolve tudo: “Um novo e mais elevado patamar no relacionamento” das duas nações soberanas e comprometidas.

Os especialistas – disse o presidente do Norte – estão errados a respeito dos dois. Geralmente colocados nos extremos opostos do espectro ideológico – a direita e a esquerda se tocam, se afagam, se completam. “Você se preocupa com a política econômica e nós, republicanos, com a pobreza”, disse o comandante da guerra preventiva contra o Iraque ou qualquer outro, já um dia condenada por Lula.

Foi, como definiu o chanceler Celso Amorim, uma reunião histórica. A começar pela manutenção da data para a “conclusão exitosa das negociações para uma Área de Livre Comércio das Américas até janeiro de 2005”. O velho grito de guerra “fora Alca” é coisa do passado. Ela virá, conforme o documento selado, sem protecionismos de nenhuma parte. Um sistema multilateral de comércio baseado em regras, “que seja aberto, justo e transparente”. Bush e Lula, juntos, surpreenderam e impressionaram. Pela “coincidência de pontos de vista, com a facilidade do relacionamento pessoal entre os dois presidentes e com a compreensão de ambos sobre quanto podem fazer juntos”. Palavras sem contestação da embaixadora Donna Hrinak.

O comunicado conjunto é uma bíblia de boas intenções. Praticamente nenhum assunto importante para a vida terrena ficou de fora. Da ecologia ao comércio, da saúde à ciência, da cooperação à ajuda; do combate à corrupção, ao terrorismo, à fome, às desigualdades… tudo está devidamente contemplado no documento que explora inclusive os pontos comuns dos dois países com relação ao continente africano. “Nossa força reside na capacidade de nossos povos de decidir seu destino e de realizar suas aspirações de uma vida melhor”, escreveram. E assinaram.

Depois, nas entrevistas, Bush se disse impressionado com “a visão que tem o presidente do Brasil” e sustentou que Lula é “um homem que, sem dúvida, tem preocupação profunda com todo o povo” do país que governa. Lula, não menos excitado pelo momento histórico, pronunciou-se acreditando que ambos poderão ainda surpreender o mundo “em termos de relacionamento entre o Brasil e os Estados Unidos”.

À parte o fato de que o papel tudo aceita, o documento que traz a assinatura de Lula e de Bush deveria ser, depois de lido por todos os brasileiros, emoldurado e colocado num quadro, na parede. Incluindo aqueles companheiros que, tradicionalmente, torcem o nariz quando se fala (bem) dos Estados Unidos. Não se tem memória de uma declaração de boas intenções tão ampla e abrangente, com todos os indicativos para a cooperação e a solidariedade. Que não se constitua em mais uma daquelas boas intenções a encher o inferno, como diz o velho ditado. Afinal, como sublinhou o próprio Lula, o mestre da esperança também na Casa Branca: “Não pode haver nenhum assunto tabu entre nós”. Nem mesmo esse de promessas não cumpridas.

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