Música, arte, poesia e ciência penal

O Chafariz das Musas – alegoria com 4 musas, representando a música, a arte, a poesia e a ciência, peça que estava no Largo da Lapa, no centro da cidade do Rio de Janeiro, e o antigo portal da Academia Brasileira de Belas Artes; ambas obras monumentais e de arquitetura histórica, hoje no Jardim Botânico, inspirou-me para escrever este ensaio jurídico.

Ao falar de música, arte, poesia e ciência, dedico e rendo minhas sinceras homenagens ao magnífico reitor da Universidade Paranaense Unipar, nobre advogado Doutor Cândido Garcia, homem de virtude, personalidade e caráter, de espírito puro e humanista, profissional competente cuja missão de vida tem como arte o trabalho em prol da ciência, onde recebe inspiração divina na música e na poesia. A arte está intrinsecamente ligada a religião, por sua vez a musica e o canto somam-se a espiritualidade e a Justiça.

No magistral artigo Guerra e Paz, A Arte como Liberdade e Resistência, do professor Dr. René Ariel Dotti (pub. Jornal Gazeta do Povo, Curitiba, em 22.6.06), eminente penalista de renome nacional e internacional, consta a história do quadro ?Guernica?, pintado por Pablo Picasso, em Paris no ano de 1937, levando o nome da cidade espanhola nos limites do país Vasco, retratando o terror, a brutalidade e a crueldade da guerra civil espanhola iniciada em 1936, por um golpe militar liderado pelo general Francisco Franco, trazendo cores escuras, negras e cinzas, significando também o bombardeio dos aviões enviados por Adolf Hitler em apoio ao Gen. Franco. Sobre sua pintura exposta em Paris, no pavilhão espanhol da Exposição Internacional de 1937, foi indagado por Otto Abetz, embaixador de Hitler, quando lhe perguntou: ?esta obra é sua??; a resposta do pintor foi imediata, exclamando: ?não, claro que não, é de vocês?!. Em outras palavras, disse: vocês são os criadores, os responsáveis, os protagonistas e os atores deste infeliz episódio, deste teatro desumano, são os verdadeiros autores e co-autores intelectuais desta guerra que é um verdadeiro crime hediondo de lesa a humanidade.

Poderíamos dizer e fazer, hoje, uma comparação com atual estágio da práxis jurídica ante a criação e a aplicação da lei penal, muitas vezes de maneira incorreta, onde os profissionais ou operadores do direito são os verdadeiros e únicos responsáveis, por não respeitarem a principiologia – a origem das coisas que explica o porque das ciências penais -, e por não efetivarem o sistema acusatório democrático.

Expressa o art. 3.º do Código de Processo Penal que o sistema legal autoriza o uso e a aplicação dos princípios gerais de direito, e da lei de maneira extensiva, ou seja mais favorável ao réu, bem como a analogia ?in bonam partem?, visto que as garantias judiciais – individuais da cidadania – são auto aplicáveis e prevalentes. O mencionado dispositivo deve ser interpretado à luz do Estado de Direito Constitucional, estabelecido na Carta Magna de 1988, e não nos ideais da norma infraconstitucional do Estado Novo no Brasil (Dec. lei n.º 3.689/41 – Código de Processo Penal, nos termos da exposição de motivos baseada no Código Penal Rocco do fascismo italiano de Mussolini).

Os parágrafos 2.º e 4.º do artigo 5.º da Constituição federal, este último incluído pela Emenda n.º 45/2004, unidos ao inciso II do art. 4.º do Texto Maior e arts. 26 e 27 da Convenção de Viena, Direito dos Tratados (ONU, 1969), expressam: ?Todo Tratado obriga as Partes e deve ser executado por elas de boa-fé? (?pacta sunt servanda?); e ?uma Parte não pode invocar as disposições de seu direito interno como justificativa para o inadimplemento de um Tratato? (num conceito ?lato sensu?, Pactos, Convenções, Declarações, etc.), definindo o ?modus operandi? correto para a aplicação do direito, em nome do princípio da soberania, validade e hierarquia vertical das normas positivas, no contexto da teoria geral do ordenamento jurídico.

Assim a Convenção Americana (OEA) sobre Direitos Humanos, ou o chamado Pacto de San José da Costa Rica (1969), aderido pelo governo brasileiro, no ano de 1992, determina: ?nenhum dispositivo da presente Convenção poderá ser interpretado no sentido de permitir a supressão, excluir ou limitar exercício de direitos e da liberdade?.

O Código de Processo Penal estabelece que em todo território brasileiro o processo penal reger-se-á pela norma adjetiva, ressalvado os Tratados e as Convenções de direito público internacional (art. 1.º, inc. i). Já decidiu o Pretório Excelso, na hipótese de conflito entre lei (ordinária) e tratado prevalece o Tratado (leia-se documentos internacionais de Direitos Humanos – STF, HC 58.272, DJU 3.4.81, p. 2854; HC 58.731, DJU 3.4.81 p. 2854).

?Existem certos direitos individuais cujo respeito e consenso exige a comunidade internacional. São os direitos da pessoa humana, reconhecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda que não tenha natureza de Tratado, por não haver sido regularmente celebrada como determinam as normas do direito internacional público, tem força como se assim fosse, e para alguns tratadistas está na categoria dos Documentos indenunciáveis, o que tecnicamente não é exato, mas politicamente é uma realidade?, ensina o ex-ministro da Corte Suprema de controle da legalidade e da constitucionalidade, o Prof. Dr. Francisco Rezek (in ?A Constituição Brasileira e as Normas de Direito Internacional Humanitário?; Coleção Relações Internacionais n.º 6, do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (PRI), Brasília-DF, Ed. Escopo, out/1988, pg. 97).

Uma série de trabalhos artísticos-abstratos de autoria de Hermelindo Fiaminglu, foram apresentados na bienal de São Paulo, no ano de 1955, para aproximação ao grupo de artistas concretistas, como Valdemar Cordeiro, Mauricio Nogueira Lima, Décio Pignatari e outros. A arte concreta ingressou no Brasil no início dos anos 50, com a visita do artista suíço Max Bill, defendendo princípios puros que visam transformar o mundo através da reeducação estética do sujeito, para a melhor práxis social, política, jurídica e humana.

Nesse sentido, é que propomos a aproximação construtiva através do discurso e da práxis policial-forense puramente Justa, para a plena realização das garantias fundamentais da cidadania, em respeito integral ao devido processo legal, como idealizava Alessandro Baratta, em seu denominado Estado de Direitos Humanos, através dos princípios intra e extra-sistemáticos; e René Ariel Dotti com o denominado ?Direito Penal do Terror? (ver Carta de Princípios do Movimento Antiterror, iniciado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 20 de maio de 2003, por um grupo de operadores do Direito, formado por advogados, defensores públicos, magistrados, membros do Ministério Público e professores de Direito Penal e Processual Penal).

O direito na sua concepção mais perfeita constrói com Arte e Poesia a ordem jurídico-social. A norma sendo corretamente aplicada traz enormes benefícios àqueles que mais necessitam da prestação jurisdicional – os carentes, necessitados de assistência jurídica ou os vulneráveis do sistema -, como ideais de Justiça Penal pura e verdadeiramente justa, filosoficamente conceituada.

Norberto Bobbio (in ?A filosofia jurídico-politica? trad. Bueno, Roberto, ed. Mackenzie, SP, 2006, e ?O Positivismo Jurídico? Lições de Filosofia do Direito; ed. Ícone, São Paulo, 1995, e ), um dos maiores pensadores do século diz que devemos trabalhar com a ciência jurídica ou com a chamada teoria do direito, e não com a ideologia do direito – política -, para a aplicar princípios gerais na tarefa de interpretar a norma acolhendo cientificamente o método correto(grifei). Não pode haver desajustes entre a letra e o espírito da lei (mens legis), entre a vontade expressa e a vontade presumida do legislador (lex minus dixit quam voluit), para a devida e auto-integração, momento ativo e criativo do direito concreto. Ativo refere-se ao momento legislativo, já o criativo é a forma artística-jurídica segundo o método científico direito – aplicado ou judiciário -.

Assim, o direito judiciário nada mais é do que a práxis forense contemporânea que vem ganhando força dia a dia através de uma jurisprudência ideológica – interessenjurisprudenz -, muitas vezes descompromissada com as garantias fundamentais constitucionais da cidadania, em desfavor da ciência e dos princípios gerais do direito democrático. Método utilizado pelos operadores do direito que dá mais valor, a jurisprudência passiva e mecânica, onde um erro cometido no princípio – é sucessivamente adotado por outros, passando a converter-se em ?verdade(s)?. Para agravar a situação temos os jargões a exemplo de ?entendimento de 2.º grau?, ?decisão dos tribunais superiores?, ?jurisprudência majoritária?, etc., que acabam com a autonomia funcional, com a livre criação de 1.ª instância, destruindo a razão e a ética.

A interpretação do Direito tornou-se questão central no debate jurídico para os seus operadores. O Prof. Sergio Luiz Souza Araújo da UFMG, lembra Carnelutti ?a sentença judicial é a lei mais perfeita que existe?, pois ela não é geral, mas específica, não é impessoal, mas estabelece intuito personae, não é abstrata, mas trata de um caso concreto, e também recorda Hélio Tornaghi  ?a lei é indústria fabril que produz em série; o juiz é artesão, que faz cada obra de arte diversa das outras. O juiz tem que realizar o sonho do matemático e a aspiração do alquimista; a quadratura do círculo e a transformação dos outros metais em ouro. Impossível? E não obstante, deve! Tem que adequar a lei inflexível à flexibilidade dos fatos: transmudar a miséria dos metais humanos no ouro das soluções perfeitas.? (in ?A relação processual penal?, p.155)

E mais. ?O tecnicista é um profissional despojado do sentimento humano com a vida e com a preocupação social, no sentido coletivo. Julgadores desse jaez costumam ser frios, assépticos, insensíveis, e fazem a letra da lei prevalecer sobre os critérios de Justiça. A maior virtude do expositor, do cientista, do escritor, não importa quão sábio seja, é se fazer facilmente compreendido por quem o ouve ou lê. Pouca ou nenhuma valia tem o conhecimento que não são transmitidos, disseminados, quando mais não sejam porque morrem com o próprio detentor do saber. O saber tem importante função prospectiva e social, que, nesse caso, também se esvai. A melhor maneira de expor ou ensinar é se fazer compreender. A clareza, a brevidade, a singeleza de estilo, que em alguns parecem um dom, não são virtudes fáceis de adquirir. Pressupõe aprendizado, persistência, esforço intelectual; é necessário que sejam exercitadas, cultivadas e praticadas? (Calheiro Bonfim, Benedito, in Consulex?, não I, n.º 2, maio-2002, DF).

Torna-se oportuno destacar Jerome Frank – juiz federal norte-americano -, ao fazer um paralelo entre a interpretação judicial e musical, destaca: ?quando o juiz interpreta uma norma jurídica faz um trabalho similar ao de um pianista ou de um violinista quando interpreta uma partitura musical. Não existe dúvida de que o pianista ou o violinista cria algo quando interpreta uma obra musical qualquer. O mesmo ocorre, por exemplo, quando uma orquestra toca a sinfonia de Beethoven, e na execução se aporta algo distinto à partitura musical que se interpreta. E podemos chegar a ainda a dizer, que a música não existe realmente se não quando é interpretada; o direito não vive sua vida plena e autêntica, se não quando é interpretado; o juiz, por outro lado cria o direito concreto, interpretando construtivamente o sistema, isto é, sem poder ignorar o ordenamento jurídico, o músico também não pode ignorar a partitura, porém lhe é permitido a criação de novas notas musicais?. Se a musica é ciência e o direito é arte.

Ciência é amor e música, amor é justiça, solidariedade e fraternidade. Arte e ciência andam juntas. Sem Deus não há inspiração, não há arte, não há musica, não há poesia e não existe ciência penal; existe apenas o direito dos poderosos, abusos de autoridade, corrupção e impunidade.

Os Direitos Humanos podem ser compreendidos e explicados em prosas e versos, mas para tal desiderato devemos repugnar e repudiar a vingança pública, o ódio e o rancor, porque não fazem parte das virtudes do ser humano, da ciência, do amor e da justiça .

A história da repressão é a própria estória do direito penal, repleta de mitos, ficções e folclores, o mais lamentável é saber que o ensino das ciências criminais em alguns centros universitários, bancos acadêmicos e instituições públicas são reproduzidos de maneira deturpada, como se fossem verdades absolutas, reais e indiscutíveis.

Alguns operadores das ciências penais, que sofrerem de mitomania, daquela tendência mórbida para a mentira, encobrindo certas verdades, com ?jogos de palavras?, artimanhas da promoção pessoal, da demagogia ou até da hipocresia, ao defenderem teses ultrapassadas criam terminologias jurídicas com discursos e expressões exageradamente falsas, colocando a técnica de lingüística versus e a frente da técnica jurídica., ?pega na mentira…? (Erasmo Carlos); ?ta ruim mais ta bom…? (Gilberto, Gilvan.); ?caminhando e cantando e seguindo a lição, somos todos iguais, braços dados ou não…, vem vamos embora… que quem sabe faz hora não espera acontecer…? (Geraldo Vandré); ?sonho meu, sonho meu…, a estrela guia se perdeu…(Dona Ivone Lara); ?canta, canta minha gente, que a vida vai melhorar…? (Martinho da Vila); ?tudo isso acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos…? (Zé Geraldo); ?sentado com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar…? (Raúl Seixas).

Os artistas protagonistas-juristas precisam urgentemente se mobilizar em prol da cidadania, num compromisso com a sociedade em geral, porque os olhos da Deus(a) da Esperantia estão abertos em nome da almejada justiça criminal democrática (MAIA NETO, Cândido Furtado, in ).

O direito penal precisa ser menos demagógico e menos populista, e seus operadores mais sinceros e mais conscientes; ?…se o malandro soubesse que a grande malandragem é ser honesto, o malandro seria honesto só por malandragem…? (Jorge Benjor); salve salve a alegria, a pureza e a fantasia? (Pepeu Gomes); ?não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar…? (Alcione); ?samba agoniza mais não morre…? (Beth Carvalho); por esta razão, a criminologia crítica com seu discurso da verdade que deslegitima o arbítrio estatal tem socorrido o direito e a ciência penal.

E o Ministro da Cultura do Brasil, também canta os Direitos Humanos, ?anda com fé eu vo, a fé não costuma faia…? ; ?que Deus Deu, que Deus dá, água mole, pedra dura tanto bate até que fura, não me iludo…?; ?pobre não tem vez…?; ?gente hipócrita, ôôô, gente estúpida, ôôô…?; (Gilberto Gil).

Aplicar os Direitos Humanos é garantir própria independência do magistrado, trazer maior responsabilidade aos agentes do Ministério Público – na acusação ou na denúncia-, a fim de lograrmos – e não lograrmos – o devido processo legal e a cidadania. Só através dos Direitos Humanos é que poderemos efetivar o Estado Democrático da República Federativa do Brasil, que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, a livre manifestação de pensamento, da atividade intelectual, artística e científica, sem qualquer espécie censura, constituindo o patrimônio cultural brasileiro pelas formas de expressão, modos de criar e fazer Justiça, ?com poesia se vive eternamente? (Mario Quintana), com segurança e Paz.

?Que é que há, meu país ?

O que é que há ?

Tá faltando consciência

Tá sobrando paciência

Tá faltando alguém gritar

Feito trem desgovernado

Feito mal que não tem cura

Tão levando à loucura

O país que agente ama?

(Roberta Miranda)

A musica está presente em todos os momentos da vida, é a própria origem e a criação do mundo e dos seres humanos. A música está intimamente ligada a vida, a religiosidade e a fé. A música é poema, é amor, é justiça, é teatro e é direito.

Cândido Furtado Maia Neto é promotor de Justiça de Foz do Iguaçu. Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas Missão MINUGUA 1995-96). Ex-Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Professor Universitário de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi). Membro da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior.  E-mail: candidomais@uol.com.br

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