Em resposta ao escândalo de abusos clericais em todo o mundo, o Vaticano emitiu hoje um novo conjunto de normas para sancionar os sacerdotes que violem e molestem sexualmente menores de idade e incapacitados mentais. As normas ampliam de dez para 20 anos a prescrição por abuso sacerdotal e também codificam pela primeira vez como delito canônico a posse ou a distribuição de pornografia infantil. Apesar disso, o documento não menciona a necessidade de que os bispos denunciem os abusos à polícia e não inclui uma política de tolerância zero, como exigiam grupos de vítimas nos Estados Unidos.
O documento também prevê que qualquer tentativa de ordenar uma mulher como sacerdote fique a cargo da Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano, mesmo órgão que cuida dos casos de abuso. Os críticos se queixam de que a inclusão das duas normas no mesmo documento implica uma equiparação de situações totalmente distintas.
Em uma entrevista coletiva realizada hoje, o promotor do Vaticano para delitos sexuais, Charles Scicluna, disse que a inclusão dos delitos canônicos e a ordenação de mulheres no mesmo documento não os iguala. A única intenção, segundo ele, é codificar os delitos canônicos mais graves contra os sacramentos da moral, com os quais a Congregação lida.
As tentativas de ordenar uma mulher violam os sacramentos da Igreja Católica e por isso essa questão foi incluída no texto, disse Scicluna. “São graves, mas em níveis diferentes”, afirmou. Além do abuso sexual, o documento também inclui delitos contra os sacramentos, como profanar a eucaristia, violar o segredo de confissão e, pela primeira vez, a apostasia (abandono da fé), a heresia e o cisma.
As normas da congregação marcaram a primeira vez que o Vaticano publicou um documento importante desde a eclosão do escândalo de abusos clericais, no início do ano, com centenas de casos que vieram à tona de sacerdotes pederastas, bispos que encobriram religiosos e funcionários do Vaticano que fizeram vista grossa ao problema durante décadas.
O sistema de justiça interna da Igreja Católica para enfrentar as acusações de abuso foi atacado pelas vítimas. Elas afirmam que suas versões foram ignoradas durante muito tempo pelos bispos, que pareciam mais preocupados em proteger a instituição, e também pela própria Congregação para a Doutrina da Fé, liderada pelo cardeal Joseph Ratzinger desde 1981 até que ele foi eleito papa, em 2005.