A mulher considerada moderna é aquela que trabalha fora. É executiva, empresária, policial, motorista, professora, palestrante, economista, jogadora de futebol, jornalista, entre outras profissões. Aliado a tudo isso, ainda cuida da casa, cria os filhos e tem uma vida social intensa. Também precisa ser uma boa esposa, boa filha, boa mãe, e tem de saber apoiar, estimular, ensinar, orientar, entender, compreender e tantos outros verbos que se possa conjugar.
Mas será mesmo que existe uma mulher que contemple tudo isso? Ou será que as próprias mulheres almejam serem assim? Ou apenas desempenham papéis para tentar responder a esse modelo imposto pela sociedade? Encontrar as respostas talvez não seja tarefa fácil, mas todas tentamos. A psicóloga Márcia Portazio foi buscar nas deusas gregas uma forma de representação das possibilidades ou modos específicos de ser mulher. Ela pesquisou mulheres entre 17 e 55 anos e identificou que a predominância de um modelo de mulher interessada em desenvolver suas potencialidades intelectuais e profissionais.
No trabalho, que foi tema de mestrado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Márcia descreveu os arquétipos (padrões psíquicos que influenciam as crenças, atitudes, valores e predisposições para determinados comportamentos) e desenvolveu um instrumento para medir como eles se manifestam na vida de cada mulher. O arquétipo que predominou foi Atena, representada pela mulher que se dedica a desenvolver suas potencialidades no trabalho ou estudos. ?É a deusa guerreira. Esse é um modelo que predomina em grandes centros urbanos. Uma mulher que também tem uma relação forte com os homens, chegando a até incorporar atributos masculinos?, comentou.
Quando o assunto é casamento, a pesquisa mostrou que Hera, a deusa do matrimônio, pouco se manifestou. Segundo a psicóloga, as mulheres não buscam mais o modelo de um casamento onde a mulher tem o papel de auxiliar o marido a se realizar. ?Elas querem uma relação mais igualitária?, diz. Mas quando o assunto é filhos, a postura se mantém. Demeter, a deusa que representa a maternidade, aparece em terceiro lugar na pesquisa. Márcia explica que isso demonstra que todas as mulheres têm uma estrutura psíquica capaz de despertar o desejo de ser mãe, mas tudo vai depender da história de vida de cada uma. Assim como também está presente e forte entre as mulheres Afrodite, a deusa voltada para o cultivo da beleza e da sensualidade.
Dinâmicas culturais permeiam o estilo delas
Fotos: Lucimar do Carmo |
Marlene: ela também é considerada mais capaz emocionalmente para gerenciar conflitos. |
Se, por um lado, a mulher tenta se encaixar no modelo de modernidade que se impõe, na prática ela continua seguindo dinâmicas culturais. Historicamente os homens foram educados para ocupar determinados espaços e as mulheres outros. Se isso vem mudando, é muito lentamente.
A professora Marlene Tamanini, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integrante do Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade, comenta que se fosse valorizado todo o trabalho que a mulher desempenha em casa, como o preparo dos alimentos, o cuidado com as roupas e a limpeza, era possível ter uma outra dinâmica da economia. ?E quando se paga para alguém para fazer esses serviços, é para uma mulher?, ressalta. O mesmo vale para as categorias cuidados e controle de conflitos. ?A mulher é quem cuida dos idosos, crianças e casa. Ela também é considerada mais capaz emocionalmente para gerenciar conflitos?, avalia.
Mas na hora da remuneração, essa posição ?natural? da mulher não tem o mesmo valor. Segundo Marlene, a maioria das mulheres que trabalham fora como executivas são solteiras e abriram mão da vida reprodutiva em função do trabalho. ?Quem interrompe a carreira para se reproduzir dificilmente consegue acompanhar a ascensão dos colegas homens?, constata.
Histórias de perseverança e batalhas diárias
Rosemilda: lutando sozinha. |
Lucy: independência. |
?Tudo o que eu não tive quero dar a ela, principalmente em educação e beleza?. A afirmação é da vigilante Rosemilda Faustino, que trocou o balcão de uma loja de confecção pela farda e o cacetete e hoje se empenha para criar a única filha, de nove anos. Ela afirma que com essa idade não teve condições de ir à escola, situação que não foi incentivada pela mãe, que era analfabeta. ?Quero tudo diferente para a minha filha?, diz, acrescentando que tudo que conseguiu na vida hoje foi lutando, praticamente sozinha.
História semelhante tem a aposentada Lucy Bornacin. ?Quando me separei, estava grávida e criei minhas filhas sozinha?, conta. Hoje ela considera que conquistou tudo o que sempre almejou: uma profissão, uma casa e um carro. Para Lucy, a mulher hoje em dia precisa ser independente, ter liberdade e investir na vida profissional: ?Eu faço parte dessa modernidade?.
Patrícia: conflitos
em casa. |
Carolina: busca
o equilíbrio. |
Para a psicóloga Carolina Moreira, as mulheres estão perdendo um pouco o foco de vida, em função das inúmeras oportunidades que aparecem a elas. Ela diz que vivencia isso no seu trabalho, que envolve condomínios de baixa renda. ?Muitas mulheres jovens acabam engravidando e encontrado dificuldades de ir para o mercado de trabalho. O que a gente percebe são novas configurações familiares, com filhos sendo criados por avós e tias?, observa. Mas pessoalmente, ela diz que vem buscando o equilíbrio entre trabalho, família e informação.
Já a dona de casa Patrícia Balbino admite que existe a mulher moderna, mas ela não quer ser, e isso vem gerando conflitos dentro da própria casa. ?Eu quero ser a mulher de antigamente, que ficava cuidando da casa enquanto o marido trabalha para me sustentar. Mas meu marido não aceita isso, e acha que tenho de trabalhar?, pontua.