A vaidade está deixando de ser um comportamento exclusivo do mundo dos adultos. Aos poucos, vai ganhando terreno no universo das crianças e adolescentes. Não é muito difícil ouvir histórias sobre pequenos preocupados com a balança, sem ao menos estar acima do peso, ou aqueles querendo usar precocemente saltos altos e até maquiagem. A psicóloga clínica Margarete Tonelli diz que a situação é perigosa porque a criança pode estar queimando fases de desenvolvimento, correndo o risco de se tornar um adulto imaturo.
Margarete trabalha há 12 anos na área e diz que a vaidade está cada vez mais presente no universo infantil. Ela se traduz na necessidade freqüente de usar maquiagem, saltos e até uma preocupação exagerada com a balança. Margarete afirma que os pais precisam ficar de olho, pois a criança pode estar querendo abandonar o mundo infantil para entrar de vez no mundo adulto.
No entanto, a transição brusca pode trazer uma série de problemas. A psicóloga diz que a criança precisa vivenciar todas as suas fases de desenvolvimento para não se tornar um adulto imaturo. "Se a pessoa não amadurece, vai fugir dos desafios da vida e é enfrentando os problemas que as pessoas adquirem confiança", fala.
Além disso, a necessidade de estar o tempo todo arrumado, com excesso de maquiagem e bijuterias, pode ser sinal de insegurança. "É preciso descobrir o que está acontecendo com a criança. Às vezes, ela está precisando receber elogios por atitudes simples que faz no dia a dia, como arrumar seu próprio quarto. Ela se sente especial sem ter que ficar se embelezando para isso", fala.
A vaidade exacerbada é influenciada pela mídia, pelos colegas ou até pelos próprios pais. Cabe aos adultos impor limites. O máximo que a criança deve se aproximar do mundo adulto é através da brincadeira. "Elas podem brincar de usar saltos, as roupas dos pais, maquiagem. Mas depois que tudo acaba, ela volta a ser criança. É assim, através do brincar que ela vai adquirindo a capacidade emocional para lidar com os limites da vida", diz.
Mas trabalhar as frustrações dos filhos não é tarefa fácil e muitos preferem sucumbir aos apelos do que ouvir a choradeira. Outros incentivam porque acham bacana os filhos se preocuparem com a aparência. Mas Margarete afirma que no adulto saudável, que viveu todas as suas fases de desenvolvimento, o cuidar-se é espontâneo, inerente do ser humano. Por outro lado, os pais também não devem ser radicais, sair proibindo tudo. Um protetor labial, por exemplo, é importante porque protege do frio e do sol. "É preciso bom senso", pondera.
Roberta Manfrinato já vive esta realidade. Com 12 anos não reúne as amigas mais para brincar e sim para assistir filmes e conversar. A maquiagem já faz parte do seu cotidiano: não dispensa batom e lápis para ir as festas. O sapato de salto também é companheiro fiel nessas ocasiões. A mãe Cláudia conta que acha uma pena as crianças estarem deixando a infância de lado tão cedo. Mas não vê qualquer mal no uso esporádico dos cosméticos e do salto. "Acho bacana a mulher se cuidar desde cedo", analisa.
Os pequenos é que escolhem suas próprias roupas
Uma passada rápida pelas lojas que vendem roupas infantis e não é difícil constatar a quantas anda a vaidade entre os pequenos. As clientes da marca Lilica & Tigor, por exemplo, de até 12 anos, assistem aos desfiles duas vezes por ano e chegam na loja já sabendo o que querem levar. Ou ainda ficam sabendo o que anda rolando no mundo da moda através de catálogos entregues por mala direta. "Setenta por cento das meninas com mais de três anos vêm aqui com uma roupa na cabeça. São elas que escolhem e não os pais", diz a vendedora Janaína Santi. E quando os adultos fazem cara feia, elas ganham no choro e no grito.
Outra prova da vaidade é o uso obrigatório de acessórios como cintos e bolsas, sem esquecer, é claro, dos tamancos. "Elas querem levar um look completo", conta a vendedora. O mesmo ocorre com os meninos. São eles que escolhem o que vão vestir e a moda surf é a preferida.
"As marcas infantis cresceram muito nos últimos anos. São filhos de pais dos anos 1980, uma geração extremamente consumista", analisa o estilista. A moda percebeu o mercado e hoje parte destes profissionais procuram criar roupas para estimular a fantasia e o universo infantil. "São as crianças que escolhem, então temos que ir de encontro ao seu universo", explica. (EW)
Saltos altos podem causar acidentes, diz especialista
Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia Pediátrica, Edilson Forlin, os pais devem resistir aos apelos dos pequenos para a compra de sapatos com salto. A possibilidade de sofrer algum acidente é a principal justificativa, pois as crianças estão sempre correndo e brincando, podendo se desequilibrar e cair. No entanto, não existem estudos que comprovem que o uso do salto, esporadicamente, prejudica os ossos do joelho, da bacia, da coluna ou dos pés.
O médico diz que ao contrário do que se pensa, os sapatos de salto não trazem problemas na estrutura óssea. "Mesmo porque o uso não é freqüente. Não faz mal um adolescente usar salto para ir ao shopping passear", diz. Já as crianças devem evitá-los porque vivem correndo e se desequilibram com facilidade. "Aumentou o número de torções relacionadas ao uso de saltos, seja o tradicional ou anabela", revela.
Forlin afirma ainda que o tipo de calçado a ser utilizado depende da atividade física que a pessoa vai realizar e isto serve para qualquer pessoa, independente da idade. Lembra que o aparecimento de problemas ortopédicos está relacionado principalmente à postura, do padrão muscular e do tipo de atividade física que realizam. O salto seria apenas um fator a mais.
Com relação ao uso de maquiagem, o chefe do setor de Serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas, Jesus Rodriguez Santamaria, afirma que o maior problema é mesmo o lado psicológico da criança. "Nessa fase a única preocupação deve ser em brincar", explica. Hoje, a indústria de cosméticos está tão bem desenvolvida que milhões de pessoas usam os produtos e uma parcela pouco significativa apresenta problemas – o mesmo ocorre entre as crianças.
No entanto, mesmo sendo um número tão pequeno de pessoas alérgicas, ele explica que a chance de desenvolver um processo alérgico existe e quanto mais cedo a criança tomar contato com o produtos, mais cedo ela vai ficar sensibilizada a este tipo de substância. O mesmo cuidado vale também para quem adora ficar usando bijuterias.
O piercing também não é adequado para as crianças e os adultos devem evitar colocá-los nas mucosas, como o nariz e a boca. Ali existe o acúmulo de secreções e o risco de inflamações é bem maior. Já a tatuagem deve abolida por mais que a criança insista. Segundo Santamaria, os pequenos não têm maturidade para entender que o desenho vai ficar ali para o resto da vida, e não dá mais para se arrepender. Além disso, o processo de retirada é doloroso e sempre fica uma cicatriz. (EW)